Isis Gasparini, Ter à distância, fotografias impressas com pigmento mineral sobre papel algodão, 2014-2017.
Já à primeira vista, a série Ter à distância, de Isis Gasparini, me intrigou bastante. Pude perceber, admirando as fotografias, antes mesmo de me aprofundar em leituras sobre seu trabalho, que estas tratam da relação entre o espectador e a obra de arte, graças aos focos de luz cercados de áreas escuras que colocam evidência esses dois polos distintos, elevando o espectador ao mesmo nível das obras-primas e mostrando a interação entre eles. Esses dramáticos focos de luz me lembraram instantaneamente do chiaroescuro (literalmente claroescuro, ou luz e sombra) de Caravaggio, Artemisia Gentileschi, e tantos outros de seus seguidores que usavam áreas de luz para destacar algumas partes das cenas pintadas em detrimento de outras. Assim, o uso desse recurso faz com que as imagens criadas por Isis se aproximem das pinturas que aparecem em algumas de suas obras. Esses focos também me lembram a própria dinâmica do olhar, já que quando focamos nossos olhos em algo, o que está em volta fica desfocado.
Em séries anteriores, a artista já havia refletido sobre o tema do olhar, partindo do olhar substituído pela mania da fotografia como criação de souvenirs nos museus de arte na série Le Gioconde (As Jocondas, em alusão ao outro nome da Mona Lisa, La Gioconda), na qual os visitantes fotografam a Mona Lisa e são por sua vez fotografados por Isis; até uma abordagem sobre um olhar mais profundo que transborda para o corpo todo na série Olhar Outro e em Ter à distância.
Imagem da série Le Gioconde |Souvenirs.
Em Ter à distância, na qual a artista é grandemente inspirada pelas reflexões de Merleau-Ponty e Didi-Huberman, vemos pessoas de todos os tipos que visitam museus e desenvolvem algum tipo de relação com as obras, até mesmo corporalmente, por exemplo, em uma imagem na qual um homem que parece um guarda de museu acaba adotando a mesma pose de um personagem representado em uma pintura, ou ainda outro homem que acaba sendo fotografado com sua cabeça exatamente no meio de uma moldura, dando a impressão de ser ele mesmo uma figura pintada que saiu da obra de arte.
Os espectadores nos museus são fotografados espontaneamente e os efeitos de luz e sombra presentes em suas fotografias são criados através de edição digital. Temos a impressão de que as luzes que iluminam esses personagens são como luzes que iluminam atores ou dançarinos em um palco – a artista também é bailarina, tendo assim uma relação profunda com o corpo e com o mundo dos espetáculos –, colocando assim os espectadores no mesmo nível das obras-primas que eles observam. Entretanto, essa relação não é unilateral e as obras também observam seus espectadores, não somente pelos seus olhos, como os da Mona Lisa, que nos seguem por toda a sala, mas, segundo Didi-Huberman esses olhos são uma metáfora da vitalidade e da densidade histórica que as obras podem adquirir, sendo o espaço escuro mostrado nas fotografias uma alusão às diversas camadas que o espectador não enxerga, a distância imposta pelo tempo, sendo assim a origem do título da série. Ainda segundo Didi-Huberman, conforme apontado por Ísis em sua pesquisa de pós-graduação, o olhar das obras sobre nós traz uma aura de fantasmagoria, já que os museus são espaços sacralizados e silenciosos, tal como os cemitérios e as igrejas.
Fontes/Bibliografia:
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http://isisgasparini.com.br/portfolio/textos-2/descortino-no-museu/
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http://iconica.com.br/site/o-olhar-como-performance/
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Thais RIVITTI, “Visões da Monalisa”, in VISIT. Curatorial Art Magazine, [Online]. Consultado em 27/09/2018.
http://isisgasparini.com.br/portfolio/wp-content/uploads/2017/06/VISIT-magazine_12-16.pdf
Fonte das imagens:
http://isisgasparini.com.br/portfolio/lens_galleries/corpo-vidente-corpo-visivel/