Arte e tragédia nos filmes ‘Birdman’ e ‘For Rome with Love’

A arte seria essa nossa salvação ante as estreitezas da vida? Nietzsche estaria correto ao dizer que sem ela sucumbiríamos? Não sucumbimos diante da arte? Nela? Haveria entre a crueza do dia a dia e a fantasia do teatro alguma relação esquizofrênica? Há um real que habitamos na arte? Ou ela nos livraria dessa realidade, pois que impossível de per si, carece de uma construção simbólica e isso seria nossa possibilidade. Nossa tragédia?

Falaremos um pouco de tragédia em relação à película Birdman de Alejandro González Iñárritu. Ora, parece-nos de alguma maneira ser essa a destinação que encontramos com o próprio subtítulo do longa: “A inesperada virtude da ignorância”. “A inesperada virtude da ignorância”. Dissemos isso, pois o trágico, essa voz calada que nos enreda durante nossos dias e noites, sempre estará ali, mesmo que a ignoremos, mesmo que finjamos que ela não existe. Mesmo que nos sintamos senhores de nossas asas. Ainda assim, a roda da fortuna irá girar- não temos muita ciência daquilo que vem- nisso importa reconhecer que a virtude nesses casos seria mesmo inesperada. Quando o ex-birdman Riggan Thomson (Michael Keaton) se incursiona pelo teatro. Em verdade. O filme acaba por escancarar suas entranhas. Assim como o faz com as entranhas do espetáculo. É a arte de dentro. Aí talvez a expressão trágica do filme. Não restaria nada mais a Riggan senão voar. Antes do homem. O pássaro. O idioma norte-americano nos ajuda a perceber. Pela construção própria à língua, primeiro aparecem os adjetivos. Primeiro ele voa, depois se embriaga. Pássaros não se embriagariam também? A saída do birdman fora pra dentro de si. O filme mostra um humano encarando de frente sua tragédia. Não há nenhuma ignorância no sentido de desconhecimento. O anti-herói. Ex-herói. Caminha de frente para sua tragédia. Ele não recuou. Não sobrou nem seu nariz. Os pássaros carecem dele para sobreviver e se alimentar. O faro de birdman nunca se perdeu. O humano é tragédia. Os pássaros também.

É interessante perceber que o gingado da câmera no filme acompanha em alguns momentos o próprio pensamento que ali está. Há uma incursão para dentro do teatro. As cenas estão alocadas dentro da estrutura do teatro. Da mesma maneira, os diálogos estão ligados a reflexões interiores. De alguma maneira podemos perceber aquilo que falta dentro da sociedade do espetáculo: realidade e arte. No lugar de holofotes imensos, dor e aflição. No lugar do super herói, a fragilidade do humano. Pode ser que estejamos diante de um filme sobre a ambígua existência do humano enquanto animal entre os outros: no palco o ex-Batman dizia não estar a interpretar. Na vida não conseguia estabilidade para um existência sem percalços. Ao excitar-se no palco, Mike Shiner (Edward Norton), mostra um pouco do que estamos a dizer: a arte como celebração da vida. A fuga para dentro de si, talvez impedida pela imediatez escandalosa da “vida real”. Estaríamos diante de uma inversão de papeis. Ao invés de dizermos que a “arte imita a vida”, diríamos, “a arte é a vida”. Quando o birdman atira em si mesmo, em verdade, mostra essa face. Assim como ela nos conduz ao êxtase. Ela recobra sua humanidade. Humanos morrem. Assim como os pássaros.

O próprio birdman enquanto uma voz incessante dentro da cabeça do ex-homempássaro nos coloca essa indagação. Deixamos de ser heróis? Somos heróis? O ex-Batman ainda é o Batman? Quando estamos na realidade e qual a dimensão da ficção? A arte liberta ou aprisiona?

Essa guinada no texto nos conduz à outra película muito interessante. Apesar de não possuírem a partida nenhuma ligação, Birdman For Rome with Love (Para Roma com Amor), de Woody Allen, se encontram exatamente naquele local onde o espetáculo faz questão de esquecer. De alguma maneira. For Rome with Love revela também essa face esquizofrênica que o show business inventa para sobreviver. Com a mesma face inventa e sepulta ídolos. A estória ali demora o tempo do flash. Nada a criticar. A sociedade do espetáculo funciona nessa dimensão. A mesma roda que impulsiona também esmaga na próxima esquina. Assim, Allen mostra em seus memoráveis clichês o nascimento e a morte de um ídolo. Mais que isso. Mostra como os ídolos e os heróis podem ser prejudiciais a uma boa condução da vida. Eles criam uma embriaguez que cobra um preço alto para existir. E como toda embriaguez, um dia irá passar. A ressaca é pesada. Não aquela ressaca de um porre. Mas a ressaca do tempo. Quando fazemos escolhas pautadas por uma construção espetacular, inventada e sem fundamento. Nessa hora, a ampulheta do tempo já consumira nossas entranhas. De pássaros. De arquitetos. De turistas. Cineastas e ninguéns. O homem pássaro encontrou no palco sua vida. Sua morte. A libertação de si se deu com asas. Sob o estampido de um tiro, viveu enquanto testou a realidade da arte. No filme de Woody Allen vislumbramos essa crítica. De uma vida irreal que é buscada a todo custo. Mas a tragédia é assim: corremos dela, enquanto corremos pra ela. Viver nesse limiar é o que nos resta. A crítica de Allen recai sobre um a construção espetacular de Roma. Ao fim, como soi acontecer: as máscaras irão cair. A tragédia do humano é ver-se arte, mesmo sem interpretar. O birdman vai voar. Ademais é sua sina. Sua tragédia é estar entre os homens. Mesmo que entre as nuvens do palco. Que liberta. Deixa voar. Mas que é cativeiro. Do humano que esquece o espetáculo e sente o cheiro do cárcere: sua tragédia e amor. Sua imaginação. Asas e libertação.

 

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