OBRA DE ARTE DA SEMANA: A heroína ‘Beatrice’ de Julia Margaret Cameron


Julia Margaret Cameron, Beatrice, cópia em papel albuminado e prata, 33,8 x 26,4 cm, 1866. Conservada no The J. Paul Gerry Museum, Los Angeles, EUA.

Julia Margaret Cameron esteve entre as primeiras pessoas a defenderem a fotografia como forma de arte, no mesmo nível das tradicionais Belas Artes. A obra da qual falamos hoje é uma testemunha de suas inspirações artísticas. A jovem representada através de um enquadramento bastante próximo – algo recorrente nas fotografias de Cameron – possui uma aura romântica acentuada por seu olhar triste, para baixo, que não encara o espectador, e pelo desfoque no qual sua face está envolto, dando um ar de sonho à composição. Esse foco leve, também é característico da artista, que, aliás, demorou em ser aceita por seus colegas fotógrafos que criticavam sua falta de expertise técnica.

A jovem representada – através dos traços de May Prinsep, sobrinha da artista, que usava todos os seus próximos como modelos – é Beatrice Cenci, nobre italiana do século XVI imortalizada pelo pincel de Guido Reni e, posteriormente, após visitar a pintura, pelos versos de Percy Bysshe Shelley.

Beatrice era a filha de um nobre de Roma, o conde Francisco Reni, e conspirou com a mãe e o irmão para matar o cruel pai que os mantinha presos em um castelo e tentou estuprar a menina. A ideia era de que a morte parecesse um acidente, entretanto, acabou-se provando, através de confissão durante tortura, inclusive, de que a família o havia assassinado. Apesar da comoção popular que compreendia seus atos, o papa Clemente VIII ordenou sua execução, que aconteceu em 11 de setembro de 1599. Guido Reni teria pintado o retrato de Beatrice na prisão, pouco antes de sua morte, e Caravaggio teria assistido a execução e usado como inspiração para a pintura Judite e Holofernes, que mostra a heroína bíblica Judite decapitando o general Holofernes.


Guido Reni, Retrato de Beatrice Cenci, óleo sobre tela, 64,5 x 49 cm, 1599. Conservada no Palazzo Barberini, Roma, Itália.

Na imagem de Cameron, o turbante sobre o cabelo solto da personagem atesta a influência da obra de Reni, entretanto, podemos notar algumas diferenças. Além do enquadramento da fotógrafa ser mais próximo do que o do pintor e a retratada olhar para o lado contrário, algo que me chamou atenção foi a idade da modelo da foto, uma adolescente ou jovem mulher, enquanto que a da pintura parece uma criança, de rosto bastante delicado e bochechas arredondadas. Finalmente, temos o olhar, o detalhe mais importante da composição. Enquanto a menina de Reni fita o espectador de maneira sofredora e quase suplicante, a mulher de Cameron, não o olha e parece resignada à sua sorte injusta. É uma mulher corajosa, uma heroína, como várias outras heroínas trágicas e belas representadas pela artista.

Bibliografia:

Ian Haydn Smith, Breve história da fotografia, São Paulo, Editora Gustavo Gili, 2018. Trad. Edson Furmankiewicz.

Links:

 “Beatrice” in The J. Paul Getty Museum, [Online]. Consultado em 24/04/2019. http://www.getty.edu/art/collection/objects/58856/julia-margaret-cameron-beatrice-british-1866/

“Julia Margaret Cameron” in The J. Paul Getty Museum, [Online]. Consultado em 24/04/2019. http://www.getty.edu/art/collection/artists/1990/julia-margaret-cameron-british-born-india-1815-1879/

“Ritratto di Beatrice Cenci” in Gallerie Nazionali Barberini Corsini, [Online]. Consultado em 23/04/2019.
https://www.barberinicorsini.org/opera/ritratto-di-beatrice-cenci/

Fontes das imagens:

http://www.getty.edu/art/collection/objects/58856/julia-margaret-cameron-beatrice-british-1866/

https://www.barberinicorsini.org/opera/ritratto-di-beatrice-cenci/

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s