Série – A teoria da literatura por seus atores II: Platão

Retomamos a série A teoria da literatura por seus atores, mas diferente da primeira, que incluiu autores como Goldman, Barthes, Adorno e Benjamin, nessa, além de uma mini introdução neste mesmo texto, faremos um arco histórico longo: da antiguidade clássica da Grécia com os autores Platão e Aristóteles aos contemporâneos Spyvak e Gilroy.

A Teoria da Literatura propriamente dita é do século 20, com os formalistas russos, quando começa de fato um estudo sistematizado, com método e objeto definido – que é difícil de definir –, a literatura. Então, o assunto do texto de hoje, Platão e seus livros III e X d’A república, não são necessariamente teoria da literatura strictu sensu. No entanto, como foram pensadores importantes e que trataram da matéria literária, entram na conta.

A teoria então segue em tratados, como os de Boileau, ou os prefácios de Victor Hugo e Shelley na época do Romantismo até que sistematizados, conforme dito acima, no século 20. A partir daí passa-se muita coisa (que tratamos na primeira série), como os estruturalistas, do qual Barthes é representante já no final de seu auge, os materialistas dialéticos como Goldman e Lukács e os da teoria crítica que tratamos também, Adorno e Benjamin. Já na segunda metade do século 20 os desconstrucionistas darão sua interpretação das formas literárias (e não literárias – na verdade o literário estará em debate/tensão constante); um pouco nessa brecha, mas não total devedor, vêm os estudos culturais, que pelo próprio nome já indica, tem como centro o estudo de culturas; e os Theories, como Butler e Spyvak (esta trataremos nesta série), que abstraem mais seus objetos, cuja composição pode ser um amálgama de vários estudos. Aqui trataremos dos dois gregos e de Spyvak e Gilroy.

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2017 e a censura ataca exposições de arte, mesas de debate, livros, filmes e toda forma de arte possível. O que esses ataques, em 2017 liderados pelo MBL na polêmica envolvendo o Queermuseu, representam para a sociedade é mais ou menos o que Platão já pregava na República (há mais de dois mil anos): censura. Na concepção de grupos reacionários como este, a arte tem o potencial de influenciar as massas. Sim e não. Em casos recentes, se questiona a arte como incentivadora de certa orientação sexual, o que é naturalmente descabível. A arte e a vida vivem em relação dialética, em influência mútua.

Para Platão, a arte, nesse caso a literatura, devia caminhar lado a lado com sua utilidade pública, ou seja, da maneira como a sociedade receberia tais obras e, por conseguinte, se relacionaria com ela. Platão imagina uma república, e a literatura passa à margem desse projeto maior de sociedade. À margem mas nem tanto para ser esquecida e permitida em sua potência.

Em uma cultura em que se adoram deuses e lhes oferecem sacrifícios e a permissão para a vida na Terra, é inaceitável que tais seres magnânimos apareçam na literatura aproximados às pessoas comuns (mesmo as de cima na hierarquia social) cometendo seus erros (hybris) e vício humanos. É inaceitável que Aquiles, principal herói guerreiro grego na Guerra de Tróia, desobedeça seu chefe e se recuse a lutar. Insubordinação é prejudicial à vida em sociedade. Outro lado dessa ideologia é não permitir, naturalmente, que pessoas inferiores como um sapateiro façam arte. Sapateiro faz sapato, se fizer outra coisa prejudicará a ordem social. Será uma mentira, e mentiras não são justas, logo não são boas ou belas. (Este exemplo o próprio Platão utiliza.)

Platão insistirá também que os objetos artísticos, ou mesmo os produtos de trabalhadores e artífices, não são a coisa em si, mas uma delas, sempre uma representação. E a verdade estará sempre ligada à estrutura de sociedade que o autor projeta. Sempre será aquilo que o beneficia e beneficia a república. Tremores, inquietações, incitações devem ser retiradas para que a falsa e hipócrita paz sublinhe a vida na sociedade.

Rodrigo Mendes

 

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