Farnese de Andrade, Sem título, assemblage: vidro, cabeça de boneca e miçangas, 46 x 13 x 13 cm, 1970. Coleção Marcelino Rafart de Seras.
Fotografia de Sergio Guerini – Almeida e Dale Galeria.
As obras de Farnese de Andrade se dividem entre as bidimensionais – desenhos, pinturas e gravuras – e as tridimensionais – assemblages ou montagens de objetos, como as chamava o artista -, na qual se insere a que estudamos hoje. Ele começou a criar esses trabalhos nos anos 60, sem abandonar sua produção bidimensional, quando morava no Rio de Janeiro – Farnese é mineiro – e recolhia os mais diversos pedaços de coisas nas praias, aterros e pelas ruas. Algumas vezes também comprava em lojas de artigos usados objetos. Ele nunca considerava essas obras terminadas, mudando-as enquanto continuavam em sua posse, até serem compradas. Aliás, o interesse por essas obras que continuou produzindo até sua morte, em 1996, é tardio, dos anos 90 e principalmente do século XXI, tendo o artista feito mais sucesso em vida com sua produção em duas dimensões.
O fato de o artista se apropriar de objetos nos lembra os ready-made dadaístas, mas se distancia deles por possuir uma carga emocional muito mais forte, sendo assim mais próximo do surrealismo, inclusive por sua mistura de coisas que não tem relação direta e geralmente não são vistas juntas, além da expressão do inconsciente: fobias, manias, angustias, sentimentos e desejos. Assim, Farnese foi, de certa formam visionário, pois se aproxima muito mais da geração dos anos 80, tendo a influenciado, enquanto que seus contemporâneos nos anos 60 produziam quase que exclusivamente trabalhos abstratos, com grande importância dada à arte concreta.
Ele usava muito cabeças de bonecas velhas ou carcomidas pela água do mar, mostrando sinais do tempo e remetendo, assim, à memória e à morte. As memórias podem ser reais ou imaginadas, e, o tema da morte é bastante importante no trabalho do artista, que sofria de tuberculose, era depressivo e teve dois irmãos mortos em uma enchente antes de seu nascimento. Essas cabeças separadas do corpo, com cabelos desgrenhados, misturadas a objetos tão diversos, acentuam a impressão de desconforto que nos dão muitos de suas criação, sendo quase perturbadoras, assustadoras. São obras que fazem alusão a uma inquietude interior que beira a loucura.
Os receptáculos de vidro – o dessa obra me recorda aqueles nos quais cientistas conservavam fetos – também são recorrentes, assim como invólucros de resina, caixas e pequenos altares – a religião, muito forte em Minas Gerais, e sua culpa possuem grande importância em seu imaginário. Trata-se de objetos que protegem seu conteúdo, mas no caso do vidro, da resina e dos altares, nos deixam vê-lo. Assim, esses pequenos espaços fechados aludem ao inconsciente, e o vidro e a resina parecem paralisar o tempo.
A impressão é como se o artista tivesse pegado fragmentos de memórias – reais ou imaginárias, como já dito -, misturado a medos, sentimentos e desejos, e colocado tudo sob uma redoma de vidro para que o espectador possa ter um vislumbre de seu inconsciente.
Fotografia de Sergio Guerini – Almeida e Dale Galeria.
Essa obra, junto a outras dezenas da produção em duas e três dimensões de Farnese, foi exposta na Almeida e Dale Galeria, em São Paulo, no primeiro semestre, durante a mostra Memórias Imaginadas, que seguiu para o Museu Nacional de Brasília, e continua até 11 de agosto.
Bibliografia / Links:
Denise Mattar, Farnese de Andrade. Memórias Imaginadas (catálogo de exposição de 23 de março a 25 de maio de 2019, Almeida e Dale Galeria, São Paulo e de 11 de junho a 11 de agosto de 2019, Museu Nacional da República, Brasília). São Paulo, Edições Almeida e Dale, 2019.
Celso Fioravante, “Farnese de Andrade ressuscita hoje em SP” in Folha de São Paulo Ilustrada, [Online]. Consultado em 22/07/2019.
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq22099807.htm
“Farnese de Andrade” in Itaú Cultural, [Online]. Consultado em 22/07/2019.
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9245/farnese-de-andrade
“Farnese de Andrade. Memórias Imaginadas” in Almeida e Dale Galeria, [Online]. Consultado em 22/07/2019.
https://www.almeidaedale.com.br/farnese-andrade
Maria Hirszman, “O rigor afetivo de Farnese na íntegra” in Arte!Brasileiros, [Online]. Consultado em 22/07/2019.
https://artebrasileiros.com.br/arte/o-rigor-afetivo-de-farnese-na-integra/
“Exposição reúne 50 obras de Farnese de Andrade” in Correio Braziliense, [Online]. Consultado em 22/07/2019.
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2014/11/25/interna_diversao_arte,459017/exposicao-reune-50-obras-de-farnese-de-andrade.shtml
Fontes das imagens:
Sergio Guerini – Almeida e Dale Galeria.
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