Foi divulgada recentemente uma lista na qual figuram os livros mais vendidos no ano de 2019 (veja aqui). No rol aparecem basicamente obras de autoajuda (desde as que ensinam a ser rico até as da moda da vez: usar palavrões para divertir e chamar a atenção). Não tem qualquer livro de história. Não tem nenhum romance. Não tem clássico algum. Não tem poesia. Não tem livro de qualquer espécie de abordagem crítica. Não tem. Simplesmente não tem. A literatura não aparece.
A lista dos mais vendidos diz muito sobre a cultura literária no Brasil. Busca-se enriquecer de um dia para o outro enquanto se é pobre de espírito. Nas estantes dos mais vendidos nas livrarias (nas que ainda sobrevivem), centralizadas em destaque, estão os vários títulos que prometem prosperidade financeira com a adoção de receitas prontas infalíveis, manuais utópicos de enriquecimento meteórico, diversos livros de autoajuda que seguem as mesmas ideias com títulos diferentes e alguns outros que dispensam comentários. Da pouca realidade literária que se tem no cenário brasileiro, esse é o formato que representa aquilo que é mais consumido pelos ditos leitores.
A crítica, devida e cabível, está longe de representar qualquer postura elitista literária. Ninguém é obrigado a gostar de poesia, assim como ninguém precisa ter lido ou conhecer todos os clássicos, nem mesmo saber a lista de escritores que compõem o Nobel de Literatura. Nesse âmbito, há de se considerar que muito é uma questão de gosto literário, ou seja, o que você gosta não necessariamente representa aquilo que eu gosto ou deveria também gostar. Há livros e livros, claro. Muitos deles ruins. Ainda assim, cada um deve ler aquilo que gostar de ler. Porém, o fenômeno que se observa – refletido na lista em questão – não pode passar despercebido como fosse algo comum que não enseja preocupação.
Leio muito. Muita coisa – livros técnicos e literários. Vários estilos e gêneros. Na literatura sou bastante eclético: leio desde os clássicos, principalmente aqueles densos e mais complexos, até aquelas obras mais atuais que há quem desdenhe – “Harry Potter”, “O Guia do Mochileiro das Galáxias” e tantos outros. Isso acaba incluindo, consequentemente, muita coisa ruim. Por mais que se diga, e estou de acordo com isso, que a vida é muito curta para se perder tempo com livros ruins, eles acabam surgindo vez ou outra na minha lista de livros lidos. Alguns inclusive sou forçado a reconhecer que gosto ao mesmo tempo em que sei que são ruins. Não se trata, portanto, de um levante contra as obras que não se enquadrem na categoria literatura – mesmo porque não é algo que se possa definir facilmente. Defendo que não se deve julgar estilos literários determinados, pois cada um deve ler o que julgar adequado para si. Mas também é arriscado levar isso ao extremo.
Se por um lado me acautelo com quem julga obras como não sendo literatura pelo fato de não as considerarem “puras”, previno-me de igual modo para que o outro lado não prevaleça – aquele em que se diz que antes a leitura desse tipo de livro que aparece na lista em questão do que nenhuma leitura.
O problema é muito mais de fundo – para muito além da superficialidade presente na maioria desse tipo de livro (o dos mais vendidos). Por mais que se tenha mensagens interessantes em parte desses livros (ao mesmo tempo em que é quase sempre a mesma coisa, mas sob títulos diferentes), se está longe de existir aí qualquer tipo de representatividade de uma cultura literária concreta. A lista apenas reflete aquilo que impera no cenário literário brasileiro. Não há respiro. Não há emoção. Não há crítica. Não há reflexão. Não há complexidade. Apenas mais dos mesmos escritos insossos.
Busca-se o caminho mais fácil até na literatura. Não bastasse os problemas que o mercado editorial vem enfrentando, ensejando no fechamento de várias livrarias, o muito do pouco que é consumido se trata daqueles livros que, em sua maioria, não possuem a qualidade salutar de uma boa literatura. Vale vender conforto rápido e aparente. Vale vender fórmulas de sucesso que evidenciam um fracasso que é construído e exposto pelo próprio discurso que sustenta esse sistema que se retroalimenta. Vale vender títulos chamativos independente do conteúdo. Vale tudo hoje no cenário literário brasileiro.
Num país em que há quem reclame que atualmente os livros são um amontoado de coisas escritas, não surpreende que a lista anunciada apresente os títulos que a compõem.
Há coisa por trás disso tudo que clama para que o problema seja realmente observado e compreendido. A literatura é algo amplo que não merece ser contida por rótulos, mas também não merece sofrer com o sufocamento que o consumo abissal de certos tipos de livros proporciona.
Ecoo as devidas lamentações que surgiram após a divulgação da lista, assim como faço coro com aqueles que creem numa literatura concreta que consiga alcançar muito mais gente. A lista dos mais vendidos é problemática – e apontar isso talvez seja um dos passos para a libertação da literatura.
Fonte da imagem:
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