Phoenix Jewel (Joia da Fênix), ouro e esmalte, 6 x 4,4 x 4 cm, cerca de 1570-1580. Conservada no British Museum, Londres, Reino Unido.
A rainha Elizabeth I, um dos maiores governantes que a Inglaterra já teve, fez uso da moda para criar uma imagem tanto ligada ao ideal de poder viril esperado de um governante forte do sexo masculino, quanto à figura protetora de seus filhos da Virgem Maria, fazendo uso de sua ambiguidade como mulher reinante como melhor lhe conviesse. Ela possuía um vasto guarda-roupa e adorava joias, infelizmente, a maior parte foi vendida ou presenteada depois de sua morte, ou dispersada após a Revolução. Entretanto, alguns exemplos de peças que pertenceram a ela, tal como o pingente ou medalhão chamado Joia da Fênix, sobreviveram aos séculos e chegaram ao nosso tempo.
Trata-se de um medalhão de seis centímetros de altura – se contado o aro que o unia a uma fina corrente de ouro – com a efígie da soberana em ouro, envolta por uma coroa de flores brancas e vermelhas em esmalte sobre ouro – o esmalte é uma mistura de pó de vidro e óxidos metálicos aplicada sobre os metais e era muita usada na ourivesaria no passado.
A decoração elaborada “reflete o gosto de Elizabeth por bordados detalhados, joias caras e toucados elaborados” (Drummond Tapioca Neto). Assim, podemos ver a rainha vestida em trajes típicos da Era Elisabetana: o colarinho volumoso que aparece em quase todas suas representações e ombreiras bastante largas, que disfarçavam sua magreza e lhe davam uma maior aura de poder e virilidade. Também o fato da rainha ser representada com o rosto de perfil remete às figuras dos imperadores romanos em moedas na Antiguidade, com a representação de perfil voltando à moda e sendo vista até mesmo em pinturas desde a primeira Renascença italiana. Durante seu reinado, a monarca aparecia geralmente olhando para a esquerda, como vemos no pingente, nas moedas de prata e ouro, as últimas possuindo uma maior riqueza de detalhes. Há, inclusive, evidências diretas de que ela tenha sido a primeira governante inglesa a posar para a gravação de suas efígies nas moedas. A pose e as feições da retratada lembram um de seus retratos feito por Nicholas Hilliard em 1572, quando a rainha tinha 38 anos, uma miniatura em aquarela sobre velino; o que indica que o medalhão possa ter sido confeccionado em data próxima.
Nicholas Hilliard, Rainha Elizabeth I, aquarela sobre velino, 5,1 x 4,8 cm, 1572. Conservada na National Portrait Gallery, Londres, Reino Unido.
Já a coroa de flores remete tanto a imagem da Virgem – muitas rainhas eram representadas com um véu e uma coroa de rosas branca, em alusão à sua imitação da pureza da mãe de Deus -, quanto à dinastia Tudor da qual Elizabeth I fazia parte. As rosas brancas e vermelhas fazem referência, respectivamente, às casas de York e Lancaster, de cuja união surgiu a casa Tudor, simbolizada por uma rosa vermelha sobre uma rosa branca.
Na parte de trás do medalhão, vemos uma fênix em meio às chamas e o monograma da soberana encimado por uma coroa sobre a qual descem raios celestes. A fênix, pássaro mitológico que não morre, mas se queima nas próprias flamas e renasce de suas cinzas é um símbolo de renascimento, imortalidade e o triunfo da vida sobre a morte – folhagens verdejantes, que aqui vemos entrelaçadas em volta do pingente, frequentemente simbolizam a mesma coisa, sendo a iconografia ligada à árvore da vida e à ressurreição do Cristo -; a imagem da fênix fêmea sendo também relacionado à ideia de rainha. O pássaro fabuloso era usado como emblema de liderança, inteligência e virgindade pela monarca que aparece com um pingente com uma fênix em outro retrato de Nicholas Hilliard pintado em cerca de 1575, sendo também uma imagem do caráter único de Elizabeth e seu papel como a regeneradora de sua dinastia – ou seja, ligado a ideia de renascimento. O Dicionário de Símbolos de Chevalier e Gheerbrant ainda indica que o animal representa uma vontade irresistível de sobreviver, o que não deixa de lembrar a força de Elizabeth, que teve sua mãe, Ana Bolena, decapitada por seu pai, Henrique VIII, quando era criança e passou boa parte da vida sob a suspeita de ser bastarda e excluída da sucessão até quase a morte do rei; para depois ser perseguida por sua meia-irmã, a rainha Maria I, que acreditava que ela conspirava para derrubá-la do trono, além dos desafios que enfrentou quando se tornou ela mesma rainha.
Nicholas Hilliard, O Retrato “Fênix” de Elizabeth I, óleo sobre painel, cerca de 1575. Conservada na National Portrait Gallery, Londres, Reino Unido.
Além disso, a fênix representa a natureza divina do Cristo, enquanto o pelicano simboliza sua natureza humana. Curiosamente, o outro quadro da rainha pintado pelo artista é o retrato dito “Pelicano”, no qual ao invés da fênix, ela usa um cordão com um pingente com uma imagem do pássaro que bica a si mesmo para alimentar seus filhotes, iconografia muito frequente do Cristo que se sacrifica pela salvação da humanidade, assim como a rainha se sacrifica para o bem de seus súditos como mãe da nação.
Nicholas Hilliard, O Retrato “Pelicano” de Elizabeth I, óleo sobre painel, cerca de 1575. Conservada na Walker Art Gallery, Liverpool, Reino Unido.
Bibliografia:
“Fênix” in Chevalier, Gheerbrant, Dicionário de Símbolos, Rio de Janeiro, José Olympio, 2012 (26ª edição), p. 421-422. Tradução de Vera Costa e Silva.
Cooper (org.), Elizabeth I and Her People (Cat. Expo. 10 de outubro de 2013 – 5 de janeiro de 2014, National Portrait Gallery, Londres), Londres, National Portrait Gallery, 2013.
Descatoire, « L’orfèvrerie et l’émaillerie » in Dossier de l’art, Paris, Faton, No. 152 (Maio 2008), p. 246-257.
Links:
Drummond Tapioca Neto, “A “rainha virgem”: Como Elizabeth I construiu sua imagem no antigo Estado Absolutista” in Rainhas Trágicas, [Online]. Consultado em 11/05/2020.
https://rainhastragicas.com/2020/05/09/a-rainha-virgem-como-elizabeth-i-construiu-sua-imagem-no-antigo-estado-absolutista/
Drummond Tapioca Neto, “Elizabeth I, rainha da Inglaterra: Uma vida em 10 objetos!” in Rainhas Trágicas, [Online]. Consultado em 11/05/2020.
https://rainhastragicas.com/2020/05/05/elizabeth-i-rainha-da-inglaterra-uma-vida-em-10-objetos/
“Phoenix Jewel” in British Museum, [Online]. Consultado em 11/05/2020.
https://www.britishmuseum.org/collection/object/H_SLMisc-1778
“Queen Elizabeth I” in National Portrait Gallery, [Online]. Consultado em 11/05/2020.
https://www.npg.org.uk/collections/search/portrait/mw02073/Queen-Elizabeth-I?LinkID=mp07108&role=art&rNo=1
“The Phoenix and the Pelican: two portraits of Elizabeth I, c.1575” in National Portrait Gallery, [Online]. Consultado em 11/05/2020.
https://www.npg.org.uk/research/programmes/making-art-in-tudor-britain/the-phoenix-and-the-pelican-two-portraits-of-elizabeth-i-c.1575.php
“The Phoenix Jewel” in Google Arts and Culture, [Online]. Consultado em 11/05/2020.
https://artsandculture.google.com/asset/the-phoenix-jewel/4wE5fokhBULyzw
Fontes das imagens:
https://www.britishmuseum.org/collection/object/H_SLMisc-1778
https://www.npg.org.uk/collections/search/portrait/mw02074/Queen-Elizabeth-I
Comprando qualquer produto na Amazon através desse link, você ajuda a manter o Artrianon e não paga nada a mais por isso.