O LSD surgiu em meados do século XX como uma grande promessa da psiquiatria, até ser criminalizado nos anos 60. Mas até que isso ocorresse, o uso da droga não ficou restrito à ciência e figurou, com diferentes propósitos, na política, nas artes, na cultura, etc.
Na cultura pop, por exemplo, filmes como Viagem ao Mundo da Alucinação (1967) e Busca Alucinada (1968) tentaram transmitir a seu público parte da experiência psicodélica do uso do LSD, assim como o poema “Ácido Lisérgico” de Allen Ginsberg que foi escrito sob influência da droga. O LSD também teve uma grande influência na história da música já que grandes artistas como Bob Dylan ou Miles Davis usaram alucinógenos como um meio para explorar os limites da consciência e da criatividade. No caso dos Beatles, por exemplo, é possível citar o disco Revolver, lançado em 1966 que chegou a ficar conhecido como “o álbum ácido” já que as experiências com o alucinógeno foram tema de várias faixas do disco. A imagem da banda ficou tão associada ao uso do alucinógeno, que muitos especulam que as iniciais do título da canção Lucy in the Sky with Diamonds, de 1967, seja uma referência ao LSD, mesmo a banda tendo negado várias vezes esta relação.

Já num contexto mais político, em tempos de Guerra Fria, até mesmo o serviço secreto estadunidense mostrou interesse em pesquisas sobre as propriedades do LSD (e outros alucinógenos), acreditando na possibilidade de utilizá-las em técnicas de interrogatórios ou até mesmo para ter controle sobre a psiquê de inimigos (história para uma outra hora).
A história que pretendo contar aqui remete principalmente aos Estados Unidos entre os anos 50 e 70, mas até chegarmos lá, devemos fazer uma visita breve à Suíça da década de 30, onde o ácido lisérgico (o LSD) foi sintetizado, num laboratório da gigante farmacêutica Sandoz. Até aquele momento, ninguém sabia exatamente o quê havia sido sintetizado e, por esta razão, a droga acabou sendo deixada de lado por um bom tempo. Foi apenas em 1943, quando tentava produzir uma droga capaz de ajudar na enxaqueca, que o químico Dr. Albert Hoffman ingeriu parte do LSD por acidente e tomou ciência das propriedades alucinógenas do produto (a partir de uma tremenda bad trip). Não demorou para que Hoffman percebesse que a substância não seria o produto mais indicado no tratamento contra dor de cabeça e, sem ter qualquer ideia do que fazer com um alucinógeno, resolveu enviá-lo aos Estados Unidos que poderia, quem sabe, encontrar uma utilidade para a droga.
Naquele período (fim dos anos 40 e início dos 50), a indústria farmacêutica estadunidense se encontrava em grande efervescência na produção de psicotrópicos, principalmente após o sucesso do medicamento lítio que foi indicado no tratamento contra a depressão maníaca. Nesse contexto, não demorou para que grande parte da ciência psiquiátrica se concentrasse em descobrir quais as possibilidades permitidas pelo LSD. Como a droga era capaz de causar um tipo de psicose temporária, os psiquiatras alimentaram as esperanças de que ela poderia ser um importante instrumento na busca por compreender a natureza da loucura e assim encontrar uma forma de prevenção, tratamento, quiçá uma cura.
O LSD foi recebido com entusiasmo pela comunidade científica e a Sandoz forneceu a substância aos Estados Unidos até meados da década de 1960, quando mudanças nas leis do país tornaram mais rígidos os controles sobre produtos farmacêuticos. Mas seu uso não ficou restrito apenas à ciência. Como se sabe, os anos 60 e 70 do século XX foram marcados principalmente pela emergência dos diversos movimentos contraculturais que surgiram em vários cantos do mundo e que reverberaram nos meios artísticos, intelectuais e políticos. Formados principalmente por jovens de classe média que repudiavam o American Way of Life e se recusavam a viver como seus pais, estes movimentos buscaram, por meio da transgressão dos padrões sociais estabelecidos, firmar novos limites e valores culturais. Grupos ligados aos movimentos hippie, feminista, negro e muitos outros que reivindicaram mudanças do papel da mulher na sociedade, direitos básicos para os negros, liberdade sexual, o fim da guerra do Vietnã, entre tantas outras pautas. Num período em que o mundo vivia as tensões da Guerra Fria, os jovens da “nova esquerda”, como ficaram conhecidos, não se identificavam nem com os valores do capitalismo americano e nem com o socialismo soviético e buscaram nada menos que uma transformação cultural completa. Tratava-se de construir um novo projeto de sociedade que não fosse baseado no consumo e no moralismo e, desta maneira, o LSD e outros alucinógenos foram vistos por muitos destes como um meio de expandir a consciência e assim pensar novas formas de viver e se relacionar com o mundo. Como definiu o psicanalista Joel Birman, estas drogas serviram a um projeto existencial, ético e político de transformação do mundo.
Nesta conjuntura, como o uso do LSD passou a ser mais frequente nos mais diversos espaços sociais, logo se tornou uma preocupação entre autoridades conservadoras que alimentaram o medo e a paranoia de pais e médicos, levando assim à criminalização da fabricação e venda do produto. O que não impediu, é claro, que a droga circulasse por meio do mercado negro, sendo importadas ilicitamente da Europa, do México ou produzidas em laboratórios clandestinos. Após a criminalização, o uso do LSD passou a ser também considerada uma transgressão da ordem estabelecida, um ato de rebeldia contra as regras impostas por conservadores.
Não dá pra contar uma história do LSD sem antes mencionar um de seus principais personagens: o Dr. Timothy Leary (1920-1996), psicólogo, professor da Universidade de Harvard e um grande defensor das drogas alucinógenas.
Auxiliado por seu colega, o Dr. Richard Alpert, Leary conduziu uma série de pesquisas com o LSD em seu laboratório em Harvard no início dos anos 60. Algum tempo depois, os pesquisadores começaram a fazer experimentos em casa por considerarem mais confortável e por poderem preparar melhor o ambiente, com luz de velas e música apropriada. Os cientistas passaram a receber muitos visitantes dispostos a participar dos experimentos e qualquer pessoa que quisesse fazer parte das viagens de ácido era bem vindo. Porém, com o tempo, as experiências começaram a chamar a atenção de outros professores e da sociedade de modo geral e os rumores de que a substância era usada para além das pesquisas científicas e por alunos no campus da Universidade prejudicaram a popularidade de Leary que acabou expulso de Harvard. Para o psicólogo, o alucinógeno podia proporcionar uma experiência profunda e transcendente, além de revelar as infinitas possibilidades do cérebro humano. Convicto de que esta iluminação deveria ser partilhada por todos (sempre de maneira segura e com orientação), mesmo após a demissão, o psicólogo continuou seus experimentos e acabou se tornando um grande defensor do uso de alucinógenos, tornando-se quase um profeta do LSD.
E ele teve, realmente, muitos seguidores Nos Estados Unidos e na Europa. Muitos eram do meio artístico, como os Beatles, por exemplo que chegaram a usar um dos livros de Leary, A Experiência Psicodélica, como a base para a música Tomorrow Never Knows, composta por George Harrison. Com a sua alta popularidade, no ano de 1969, Leary lançou-se como candidato a governador da Califórnia, concorrendo contra Ronald Reagan. Na ocasião, John Lennon compôs a música Come Together em apoio à sua candidatura. Este, inclusive, foi o lema da campanha: “Come Together, Join the Party”. Contudo, a candidatura foi interrompida quando o psicólogo foi preso por posse de maconha.
Esta breve história do LSD nos permite pensar como um objeto da ciência pode ser apropriado pelas mais diversas esferas sociais, tais como a política ou a arte, ganhando novos contornos e sentidos a cada apropriação. Da mesma forma, este objeto, ao circular pela sociedade com suas diversas ressignificações, pode sempre trazer grandes impactos e influenciar, de maneira mais ou menos profunda, na cultura a qual se insere.
Referências Bibliográficas
BIRMAN, Joel. Drogas, Performance e Psiquiatrização na Contemporaneidade. Ágora. Rio de Janeiro, v. 17, n. esp, 2014. p. 23-37.
CASHMAN, John. LSD. São Paulo: Ed. Perspectiva. 1980.
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FARBER, David. The Intoxicated State/Illegal Nation: Drugs in the Sixties Counterculture. In: BRAUNSTEIN, Peter; DOYLE, Michael W. (ed’s.). Imagine Nation: The American Counterculture of the 1960s & ‘70s. Nova York e Londres: Routledge, 2002. p. 17-40.
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ROSZAK, Theodore. A contracultura: reflexões sobre a sociedade tecnocrática e a oposição juvenil. (Trad. Donaldson M. Garschagen) Petrópolis: Ed. Vozes, 1972.