OBRA DE ARTE DA SEMANA: Uma releitura de Van Gogh por Roy Lichtenstein

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Roy Lichtenstein, Bedroom at Arles (Quarto em Arles), óleo e magma (resina acrílica) sobre tela, 320 x 420,4 cm, 1992. Conservado na Fitzhugh Farm, Coleção Robert e Jane Meyerhoff, em Baltimore, EUA.

Junto com Andy Warhol, Roy Lichtenstein é um dos mais importantes artistas do Pop Art, que trouxe para as belas-artes elementos da cultura de massa que se desenvolveu rapidamente em meio ao clima de otimismo e o clima econômico favorável após a Segunda-Guerra Mundial. Nessa época, o consumismo crescia rapidamente, assim como o cinema se tornava cada vez mais importante. Os artistas desse movimento trouxeram temas, cores e até mesmo técnicas de produção da cultura popular, algumas vezes em tom de aprovação, outras com certo sarcasmo e ironia.

Aqui, em Bedroom at Arles (Quarto em Arles), Roy Lichtenstein faz uma releitura da pintura de mesmo nome de Van Gogh – sua única releitura de um interior -, transformando as pinceladas expressivas e cheias de texturas do artista holandês em uma imagem com planos achatados que parece saída de uma história em quadrinhos, uma das grandes influências de Lichtenstein. Apesar de parecer uma imagem impressa, trata-se de uma pintura. Acredito que a resina acrílica, chamada de Magma, junto ao óleo, contribui para que a textura pareça extremamente lisa.

Os pontos coloridos que frequentemente aparecem na obra de Lichtenstein são visíveis na parede do fundo do quarto. Apesar do que poderia se pensar, estes não são sua criação, mas, na verdade, uma apropriação da técnica dita “pontos Bem Day”, criada por Benjamin Day, para que se pudesse imprimir em larga escala uma maior gama de cores, usando somente as cores primárias, através da sobreposição de pontos dessas cores.

O quarto em Arles designa um cômodo da casa que Van Gogh viveu na cidade de Arles, na França, entre sua estada em Paris e suas frequentes internações em sanatórios. Ele pintou o local três vezes: a primeira versão, de 1888, é conservada no Van Gogh Museum; enquanto que as duas de 1889 estão no Musée d’Orsay, em Paris, e no Art Instituto of Chicago, que, inclusive, já criou uma reprodução em tamanho real do quarto mostrado na obra para ser alugado como Airbnb por apenas 10 dólares.

Lichtenstein criou sua releitura a partir de um cartão postal com a pintura do holandês, uma das mais famosas do artista que foi e continua sendo reproduzida massivamente. De certa forma, podemos pensar, nesse ponto, o quanto as belas-artes, ou alta arte, tem se tornado cada vez mais próxima da cultura de massa e do consumismo, com a reprodução de obras de arte famosas sobre os mais diversos suportes.


Vincent Van Gogh, The Bedroom, óleo sobre tela, 72,4 x 91,3 cm, 1888. Conservado no Van Gogh Museum, em Amsterdã, Países Baixos.

O próprio Lichtenstein compara as duas pinturas, mostrando algumas mudanças que fez em relação a imagem original:

 “Eu limpei seu quarto um pouco para ele; ele vai ficar muito feliz quando ele chegar em casa do hospital para ver que eu endireitei suas camisas e comprei alguns móveis novos. A minha é antes uma grande pintura e a sua é um tanto pequena (29” X 36”). A dele é muito melhor, mas a minha é muito maior. É claro que meu trabalho é uma tentativa inteiramente diferente.”

A pintura de Lichtenstein é realmente enorme, medindo mais de 3 x 4, enquanto a de Van Gogh possui menos de um metro de comprimento. Sua admiração pelo outro pintor é evidente, apesar da divertida afirmação de a sua pintura é maior, tal qual uma criança que compara seu brinquedo a de um coleguinha na escola – as cores brilhantes e palatáveis da Pop Art não deixam de ter certa aura infantil.

É interessante também como ele se refere ao quarto como um local real, como se Van Gogh ainda estivesse vivo e fosse voltar para ele depois de sair do hospital psiquiátrico. Dentre as mudanças entre as duas imagens, acredito que a mais importante seria um dos “móveis novos” ao qual o artista se refere, ou seja, a troca das duas cadeiras com assento de palha por outras mais modernas, que certamente não existiam quando a primeira obra foi feita. É interessante notar, que esses móveis mais recentes também são bastante comuns e industrializados, outra marca da cultura de massa do século XX.

Ele ainda afirma:

“Eu acho o contraste entre minha intenção e a de Van Gogh tão enorme que há humor nessa diferença. Meu interesse principal é a extrema diferença no estilo. Onde Van Gogh é tão emocional e febril e espontâneo, meu trabalho é planejado e premeditado e dolorosamente realizado.”

Podemos notar como seu trabalho é verdadeiramente planejado através do desenho preparatório e do estudo em forma de colagem em tamanhos que o artista realizou antes de criar a tela final; enquanto que, com frequência, Van Gogh pintava mais de uma tela por dia, através de pinceladas rápidas, tanto apaixonadas quanto perturbada.


Roy Lichtenstein, Drawing for Bedroom at Arles (Desenho para Quarto em Arles), grafite sobre papel vegetal, 87,3 x 115,6 cm, 1992. Conservado National Gallery of Art, Washington, EUA.


Roy Lichtenstein, Bedroom at Arles (Study) (Quarto em Arles (Estudo)), fita adesiva, papel pintado cortado, papel impresso corta e lápis grafite sobre madeira, 87,6 x 114,6 cm, 1992.

 

Bibliografia:

Susie HODGE, Breve história da arte, São Paulo, Editora Gustavo Gili, 2018, p. 44. Trad. Maria Luisa de Abreu Lima Paz.
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Susie HODGE, Breve história da arte moderna, São Paulo, Editora Gustavo Gili, 2019, p. 38, 185. Trad. Julia da Rosa Simões.
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Denys RIOUT, Qu’est-ce que l’art moderne?, Paris, Gallimard, 2000.

Links:

Sara BARNES, “Famous Van Gogh Painting Is Turned into a Real Bedroom to Rent on Airbnb” in My Modern Met, [Online]. Consultado em 19/10/2020.
https://mymodernmet.com/airbnb-van-gogh-bedroom/ 

“Bedroom Composition” in Head for Art, [Online]. Consultado em 19/10/2020.
http://headforart.com/2010/02/21/bedroom-composition/

“Catalogue raisonné” in Lichtenstein Foundation, [Online]. Consultado em 19/10/2020.
https://lichtensteinfoundation.org/catalogue-raisonne/ https://www.imageduplicator.com/main.php?decade=90&year=92&work_id=49#

“Experience a Roy Lichtenstein 3D room – art installation” in Moco Museum, [Online]. Consultado em 19/10/2020.
https://mocomuseum.com/stories/roy-lichtenstein-3d-room/

“The Bedroom” in Van Gogh Museum, [Online]. Consultado em 19/10/2020.
https://www.vangoghmuseum.nl/en/collection/s0047V1962

Fonte das imagens:

https://en.wikipedia.org/wiki/Bedroom_in_Arles

https://en.wikipedia.org/wiki/File:Vincent_van_Gogh_-_De_slaapkamer_-_Google_Art_Project.jpg  

https://www.imageduplicator.com/main.php?decade=90&year=92&work_id=49

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