Caro Vincent, como vai a morte?
Creio que o maior erro da arte é a reluta para a auto exposição e por mais que eu odeie qualquer coisa que faça eu me abrir demais, este é o momento para tomar tal atitude. Escrevo-lhe porque eu nunca consigo me contentar em falar comigo mesmo sobre as coisas que mais me apavoram. É bem chato para falar a verdade, não sou tão interessante para manter assunto. Eu gostaria de não estar escrevendo essa humilde carta ao um grande morto. Existe muita dor e peso nas palavras que coloco aqui, é quase um exercício de auto exorcismo, mas se eu não escrever, como vou sobreviver a isso?
Aliás, sobreviver é a palavra certa para isso tudo.
Permita-me apresentar, me chamo Pedro e não sei explicar se o que eu faço é arte, mas afinal, que artista realmente assume de primeira que faz “arte”? E o que é arte? É aquilo que produzimos para vender ou é aquilo que colocamos o nosso melhor e o mundo ignora?
Não sou nenhum gênio, mas a minha mãe contava que quando eu tinha apenas quatro anos, eu andava com aqueles livros especiais de arte, que eram colecionáveis, e cada versículo trazia obras de um artista famoso. Claro, era com o seu exemplar que eu andava embaixo do braço, sem saber falar muito ou ter ideia de tudo aquilo que carregava. Só me lembro de que suas obras me impressionavam.
Parece algo surreal e até mentiroso, mas o fato é que cheguei a uma terrível conclusão: você, Van Gogh, foi o primeiro artista que conheci. Você, conhecido como o artista amaldiçoado, me amaldiçoou. Com toda a sua magoa, sua solidão e suas incertezas.
Deus! Como eu te agradeço por me amaldiçoar, afinal, normalidade é uma estrada pavimentada e confortável para andar, mas flores não crescem sobre elas e eu quero flores! Eu quero flores na minha cabeça, eu quero flores pelo meu quarto todo e se através da arte a solidão me contemplara, que ela seja a minha maior aliada. Eu sei, é triste, mas a arte me move e você me moveu a tanta coisa que estou insano ao ponto de escrever uma carta à um morto que eu se quer sei o endereço. Loucura, não é?
Quando cresci, percebi que toda a sua arte tinha uma amargura particular. Percebi sua força, sua dor e a partir daquele momento, me doía também. O que falar dos seus céus? Todo dia que passa na minha insignificante vida, eu peço para enxergar os céus com o seu olhar. Igual os representados em seus quadros. A leveza, o azul e a pureza que provavelmente nenhum ser humano nessa infeliz terra tem.
Mas, a minha maior duvida continua sendo: o que é arte? Quando sabemos que estamos fazendo arte ou quando nos tornamos realmente “artistas”? Será que é quando sentimos algum tipo de emoção e a dominamos para passar todo aquele tormento para um texto, uma música ou até um quadro? Será que a minha arte é isso? São as madrugadas mal dormidas em que deixo o mundo para escrever textos que a maioria das pessoas nunca vão ler ou quando fico bolando cartas para algum morto? Então, isso aqui agora é arte?
Às vezes fico pensando se tudo o que fazemos só vira arte quando o resto do mundo começa a enxergar e sentir tudo isso. Você, infelizmente, é o maior exemplo disso tudo ser real. Por exemplo: Disseram que o seu único quadro vendido em vida “O Vinhedo Vermelho” era arte. Mas, demoraram décadas para perceber que “Os Girassóis” e “A Noite Estrelada” eram também. Esperaram uma bala atravessar seu corpo para te chamarem de artista. E você que era o louco, né? O pior de tudo é imaginar quantos Van Goghs não morreram por aí, porque ninguém ao redor conseguia sentir sua arte.
Eu fico deitado e olhando para o nada, lembrando de você. Eu queria viver em um dos seus quadros, sentar em uma das cadeiras do “Terraço do Café” durante a noite, olhar aquele céu, sentir aquela melancolia. Viver aquele quadro, centenas e centenas de vezes. Queria ter te conhecido, queria poder voltar no tempo e te dizer o quanto eu te admiro, dizer coisas tão lindas que eu nem consigo imaginar. Acima de tudo, quero ainda estar vivo para quando chamarem aquilo que eu escrevo de arte.
Será que você foi o artista amaldiçoado ou a sociedade foi amaldiçoada por tardar em reconhecer a beleza das suas obras? Nunca saberemos.
Um grande abraço, de um louco qualquer.
Fonte da imagem:
http://br.rfi.fr/cultura/20160304-filme-sobre-van-gogh-usa-quadros-animados-do-pintor-veja-trailer