D. Sebastião e o mito da salvação de Portugal

Um dos mitos mais constitutivos e, ao mesmo tempo, mais controversos da cultura portuguesa, é o que envolve a vida breve e o desaparecimento do rei D. Sebastião. O Sebastianismo, ou seja, a crença no retorno do jovem rei que perecera na batalha de Alcácer-Quibir, logo após o desaparecimento de D. Sebastião tornou-se popular por todo o país, assumindo um caráter místico que se propagava por todo Portugal ecoando até mesmo no Brasil. A esperança no regresso de D. Sebastião, além de ser incorporada ao imaginário popular dentro e fora de Portugal, também serviu de matéria para vários escritores, dentre eles João Batista Leitão de Almeida Garret, que na peça Frei Luis de Sousa cuja ação ocorre aproximadamente vinte anos após a batalha de Alcácer-Quibir e cujos personagens principais sofrem até o final da estória as consequências da derrota e do desaparecimento de D. Sebastião e seu exército.

D.Sebastião, que já nasceu sob a alcunha de “O Desejado”, transformou-se em “O Encoberto” devido às misteriosas circunstâncias de seu desaparecimento. Apesar de ter vivido por apenas vinte e quatro anos, sendo que destes, dez anos foram o período em que D. Sebastião esteve no trono de Portugal e seu reinado, aparentemente, não ter obtido grande expressividade política, o jovem rei de Portugal tornou-se um mito que ainda hoje intriga estudiosos e povoa a imaginação de portugueses e brasileiros. Mas como um rei que viveu e reinou por um período tão curto tornou-se um mito, o ser imortal que restabeleceria a glória de Portugal?

Diversos fatores contribuíram para que D. Sebastião, que mesmo antes de seu nascimento já era considerado “O Desejado”, se tornasse a grande esperança do povo português. Portugal, que atravessava uma grande crise desencadeada pelo processo de decadência do período bem-sucedido de sua expansão marítima, sentia as consequências do crescimento de seu império. A metrópole empobrecera devido aos gastos para manter suas colônias sob controle.

Ao mesmo tempo em que Portugal enfrentava dificuldades financeiras, o reino de Castela, sob o reinado de Carlos V, ambicionava criar um Império Cristão Universal. Tendo Portugal já feito parte do reino de Castela, o povo português passou a viver sob a ameaça da de uma possível nova anexação de seu país. Segundo Godoy:

“Como se sabe, muitas conturbações na geopolítica europeia afligiam vários povos no segundo quartel do século XVI. Carlos V, rei de Castela, desencadeara várias guerras em favor da sua ambição de ser um monarca universal. Ao mesmo tempo, Portugal sentia a decadência do seu império pouco após o período de glórias dos descobrimentos. ” (GODOY, 2005, P.25)

Outro fator que contribuiu para que D. Sebastião fosse um rei tão esperado foi a dificuldade encontrada pela família real portuguesa de gerar um herdeiro. D. João, pai de D. Sebastião, tinha a saúde muito frágil. Quando se casou com Dona Joana, sua prima, aos catorze anos, ele já estava com a saúde bastante debilitada, e antes mesmo que o filho nascesse, ele falece. Após o nascimento de D. Sebastião, sua mãe é avisada da morte de seu marido e pouco tempo depois decide voltar para Castela, sua terra natal, deixando o filho aos cuidados da família do pai.

O povo português, que vivia sob a expectativa de ver o “Milagre de Ourique” se realizar, entendeu o nascimento do rei “Desejado” como um sinal de que a profecia estava prestes a se cumprir. Segundo a lenda, o primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henrique teve uma visão em que Jesus Cristo lhe dizia que estava para surgir um novo império cristão e que cabia a Portugal o papel de liderar esse novo império. Essa lenda bastante popular em todo o país tornou-se um importante pilar na constituição da identidade portuguesa, garantindo o caráter messiânico ao país.

Com o nascimento do príncipe, no dia de São Sebastião, Portugal retoma a esperança de reconquistar a glória perdida, bem como o reinício de sua expansão marítima, ressurge no povo Português.

São Sebastião cujo nome foi dado ao príncipe recém-nascido, foi um soldado romano, nascido na cidade de Narbonne, na França e que era também cidadão de Milão, por ser cristão foi condenado à morte. Mesmo após ser atingido por inúmeras flechas e jogado em um rio, teria sobrevivido e se apresentado diante do imperador Diocleciano para pedir clemência aos prisioneiros cristãos. Foi condenado novamente, sendo espancado até à morte. São Sebastião tornou-se então um mártir do cristianismo. O jovem rei Dom Sebastião carrega em seu nome um símbolo da luta cristã e o seu desaparecimento precoce na batalha de Alcácer-Quibir o aproxima novamente da imagem do mártir cristão, pois o rei perece em uma batalha em meio ao deserto africano enquanto lutava pela reconquista de territórios perdidos pelos portugueses. O misterioso desaparecimento de Dom Sebastião transformou-o no “Encoberto”, reafirmando, mais uma vez, o caráter místico que envolvia o herdeiro do trono português, que passou então, a ser visto como um herói. De acordo com o historiador Antônio Machado Pires, D. Sebastião teria sucumbido diante de seu exército, sem abandoná-lo mesmo estando em desvantagem em comparação ao exército inimigo.

El-rei colocou-se na vanguarda, à frente de uma cavalaria na ala esquerda, sendo a ala direita comandada pelo duque de Aveiro; Dom Sebastião procurou manter a organização da batalha, e ao primeiro rompimento de fogo do inimigo a cavalaria portuguesa acometeu, abrindo largas brechas na hoste moura (…) do rei pouco se soube. A história fixou que ele combateu denotadamente e se embrenhou pela hoste inimiga até não mais ser visto. O resto de seu destino perdeu-se na incerteza e na lenda. Na memória nacional ficou o seu grito, “morrer, mas morrer devagar! ” E uma grande página de dor e de luto na História. ” (PIRES, 1969, P. 56)

Após o desaparecimento de D. Sebastião, Portugal sente profundamente a perda de seu rei, sentimento este que em pouco tempo se transformaria na esperança de que “O Encoberto” retornasse das terras africanas e restabelecesse a paz e a glória em seu país. A crença de que Dom Sebastião não havia morrido se consolidou pelo fato de que seu corpo jamais fora encontrado. O mistério envolvendo o paradeiro de Dom Sebastião, e a esperança de sua volta deram origem ao Sebastianismo, um fenômeno social e cultural que ainda hoje habita o imaginário popular em Portugal e no Brasil.

Referências:

GODOY, Márcio Honório de. Dom Sebastião no Brasil. São Paulo; Perspectiva: FAPESP, 2005.
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GODOY, Márcio Honório de. Dom Sebastião no Brasil: das Oralidades Tradicionais à Mídia.

http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=4109

PIRES. Antônio Machado. Dom Sebastião e o Encoberto. Fundação Calouste Goulbekian, Lisboa, 1969.

San Sebastiano Martire: http://www.catacombe.org/sansebastiano.html

Referência da imagem:

https://portucalenses.wordpress.com

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