CARTA AO ARTISTA: Querido Man in Black

Caro Johnny Cash, como vai a morte?

Vim dizer que sou um grande fã seu e preciso compartilhar uma história de salvamento: dias atrás eu sabia que precisava escrever uma carta para alguém (quinzenalmente alimento essa minha estranha mania de falar com pessoas que não vão me responder)  mas não conseguia decidir para quem, sabe como é.  Aí o estranho começou a acontecer, tudo me ligou a você de uma forma estranha.

Eu fui a uma feira de discos de vinil e lá estava o seu disco, prontinho para ser comprado, o que infelizmente eu não fiz. A semana veio e vários sinais eram jogados em meus olhos: no meu trabalho resolveram ouvir diversas vezes a sua música (o que eu não estou reclamando, não me entenda mal) e por fim, cheguei em casa e mais uma surpresa: o meu pai me chamando para rever o filme que contava um pouco da sua vida, Johnny e June.

Após esses diversos sinais, fiquei pensando: O que Johnny Cash quer tanto me dizer? Por que suas músicas e todo o resto estavam tão grudados em mim esses últimos dias? Seria algum tipo de sinal de que eu deveria falar com você ou um sinal de que eu estava totalmente insano? Bom, por enquanto achei melhor considerar a primeira opção, pois guardo (ansiosamente) a opção de enlouquecer para um dia mais ensolarado.

Comecei a procurar muito sobre a sua vida, de forma incansável e até perturbadora. Fui em busca dos podres primeiro, para ficar bem calejado. Para a minha sorte, fiquei mais surpreso que decepcionado, primeiro por descobrir que você era um super fã do filme clássico “Frankenstein” por achá-lo simpático e dizer que era alguém feito “de partes más, mas que tenta fazer o bem”. E senhor Cash, o quanto isso significa para quem é realmente humano, não é mesmo?

Então, eu li algo que me fez entender o porquê da vida querer me dar tanto Johnny Cash na última semana: seus poemas. Permita-me contar que algumas semanas atrás eu desisti dos meus poemas. Resolvi que eles eram fracos e que era besteira ficar escrevendo-os por aí. Achava que eu não tinha essa tal capacidade de criar rimas, métricas e ainda deixa-los atraentes para quem estivesse lendo.

Mas agora estou aqui, tomando um soco da vida, quem diria que um dos músicos que eu mais respeito, mudaria isso em mim? Fiquei tocado com alguns poucos poemas que li ali e outros até achei curioso, como é o caso de um em que você pede para não fazerem um filme sobre sua vida. Tarde demais. Um ponto questionável é que o seu filho lançou um livro pouco tempo atrás com um copilado dos seus 200 textos e eu me pergunto, será que isso é certo? Quer dizer, até ontem o senhor escreveu aquilo e guardou por magoá-lo demais ou por não fazer mais sentido em sua vida, enfim.

Você chamava de poema ou só eram papeis com uma parte sua grudada neles? Quando podemos chamar de poemas? Quando queremos trazer ao mundo para sermos ouvidos ou quando queremos dar uma importância maior? Bom, tanto faz. O maior exemplo de que tanto faz é a sua sincera carta a June Carter, em 1994, eleita a carta mais romântica dos últimos tempos, aquilo sim é poesia pura, afinal, tem coisa mais poética que um sentimento?

We get old and get used to each other. We think alike. We read each others minds. We know what the other wants without asking. Sometimes we irritate each other a little bit. Maybe sometimes take each other for granted. 

But once in awhile, like today, I meditate on it and realize how lucky I am to share my life with the greatest woman I ever met. You still fascinate and inspire me. You influence me for the better. You’re the object of my desire, the #1 Earthly reason for my existence. I love you very much. “


(“Nós envelhecemos e nos acostumamos um com o outro. Nós pensamos igual. Nós lemos a mente um do outro. Nós sabemos o que o outro quer sem perguntar. Às vezes irritamos um pouco um ao outro. Talvez às vezes não damos valor um ao outro.

Mas de vez em quanto, como hoje, eu reflito sobre isso e percebo quanta sorte tenho de compartilhar minha vida com a maior mulher que já conheci. Você ainda me fascina e me inspira. Você me faz ser melhor. Você é o objeto do meu desejo, a razão #1 na Terra para a minha existência. Eu te amo muito.”)

Depois dessa semana “Johnny Cashiana” percebo que às vezes pessoas e músicas não vem por nada. Talvez, sem querer, algo mandasse o velho Cash para mim, para contar que não se deve desistir de escrever e que muitas vezes nas palavras mais simples existem os mais complexos significados, como é o seu caso. Quem sabe um dia até publicam um livro póstumo com os meus textos velhos (por favor, não).

Outro ponto é que sempre te vi como uma antítese de Elvis. Enquanto ele decretava amor até para a própria sombra, eu via um cuidado maior em suas palavras, algo até mais reprimido. Por mais que você cantasse mil e uma letras por aí, esses poemas ficaram guardados por muito tempo, quer dizer, o senhor os escrevia para ninguém além de si mesmo. O que eu deveria fazer, não é mesmo? Para que desistir se só eu vou ler?

De qualquer forma, obrigado por mudar algo em mim. É uma carta simples, mas o peso sentimental que está nela é grande e “metamorfósico”.  Uma pena que o senhor está morto. Adoraria ter visto um show seu, com toda aquela potência vocal e como o senhor dava vida para aquelas mesmas canções de sempre. Mas, por sorte, ainda posso escrever carta aos mortos.

Só mais uma pergunta: existe música após a morte?

Espero que sim.

Atenciosamente, um louco qualquer.

Ps.: Ao contrário do que todos falam, eu adoro a música Chicken in Black.

Fonte da imagem:
http://www.southernrockbrasil.com.br/2013/09/10-vezes-que-johnny-cash-mostrou-o-dedo.html

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