Alain de Botton, em seu “Ensaios de Amor”, defende que “a linguagem do olhar resiste teimosamente a ser traduzida para a linguagem das palavras”. Na passagem em que assim aduz o filósofo, onde faz breves comentários sobre a estética, são trazidos alguns exemplos sobre como é (e se é) possível descrever o gosto por algumas obras através das palavras. Van Gogh e Gauguin são citados, questionando-se sobre qual seria a melhor forma de se defender os méritos de cada artista. Por mais que o autor diga que “o único jeito de defender um ou outro seria uma tentativa de redescrição da obra em palavras […] ou então uma elucidação da técnica ou dos materiais”, a conclusão se dá em forma de pergunta: “o que tudo isso estaria fazendo para de fato explicar por que um quadro nos pega pelo colarinho enquanto outro nos deixa indiferentes?”.
É possível traduzir pelas palavras o nosso gosto? De que modo eu posso convencer o meu colega que o livro que estou lendo é melhor que o dele? Como se transmite pela fala toda aquela paixão envolvente que uma determinada obra proporciona? Será que conseguimos construir um texto que diga exatamente tudo aquilo que sentimos ao ler uma poesia que nos atinge?
Falo aqui especificamente sobre o gosto (conforme aqui já expus). O título desse pequeno texto comportaria uma leve modificação, evitando-se assim dubiedade, já que acaba passando também uma ideia diversa da aqui pretendida, afinal, falo do gosto pelas palavras e de uma possível tradução desse ou de traduzir pelas palavras o gosto? Ao ler e reler a frase-título, dei-me por conta que ficaria melhor assim, já que a questão comporta ambas as ideias, podendo ainda se dizer que no fundo se trata da mesma coisa. Enfim, o gosto, o meu gosto, o seu gosto, o nosso gosto, pode ser traduzido pelas palavras?
Um livro atinge todas as pessoas da mesma forma? Certamente não. Stephen King é um escritor profícuo e talentoso, mas não são todos que apreciam suas histórias. Ainda quando há consenso sobre o gostar de certo autor ou determinada obra, os sentimentos que envolvem um leitor não são os mesmos que convencem outro.
Um mesmo livro apreciado por dois leitores pode ter chamado mais atenção em partes diferentes. As conclusões tidas por aqueles que leram determinada obra podem divergir, por mais que esses concordem que a história seja fenomenal. As percepções dos leitores muitas vezes são diferentes, mesmo quando inexistem discordâncias sobre os principais aspectos do livro.
É por isso que foco aqui no aspecto do gosto. Forma e conteúdo possuem suas relevâncias na literatura, mas muitas vezes, talvez na maioria, não é por isso que um leitor é cativado pela escrita. Fosse uma análise no aspecto formal sobre algum livro, a tradução em palavras do porquê de a obra ser considerada boa seria mais fácil – como é. O problema surge quando se entra no campo do subjetivo, pois o gosto detém em si uma alma individualista, que não comporta consenso ou explicação.
Como explicar o fato de eu não gostar daquele livro que muitos cultuam? Ou como contar as razões pelas quais eu aprecio aquela obra que é criticada por ser pobre? Eu gosto ou não gosto – é possível ir além disso?
A dificuldade reside nessa explicação, na tradução de ideias e sentimentos. Quando se entra no campo do gosto, o terreno em que se pisa é o da subjetividade, e por mais que existam demarcações que visam estabelecer uma estrutura definida, é ao que pisa nesse chão que compete dizer o que é ou não é a sua própria base.
A compreensão do gosto está na mente da pessoa que aprecia ou não determinada obra. Tem-se uma série de sentimentos, de emoções e de razões (compreendidas ou não) que constituem o fenômeno do gosto – que corre o risco de não soar compreensível caso seja externalizado através de palavras.
Alguns conseguem traduzir melhor o próprio gosto através das palavras. Outros empacam diante da impossibilidade de se transmitir o todo. Seja como for, certo é que essa dificuldade existe, permitindo-nos questionar se realmente é possível, utilizando-se das palavras, explicar o nosso gosto.
E você, consegue fazer essa tradução?
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
BOTTON, Alain de. Ensaios de Amor. Porto Alegre: L± Rio de Janeiro: Rocco, 2014. p. 75.
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Fonte da imagem:
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Levando em conta sua última pergunta, ouso, escrever um modesto comentário, para agradecer, tão linda reflexão. Consigo justificar, e às vezes, nem acerto, baseado no ‘príncipe da poesia’ o que escreve Olavo Bilac: “Linda flor do Lácio, nossa língua portuguesa (acho que podemos incluir todas as línguas românicas) ao mesmo tempo esplendor e sepultura.” Outro, não sei o autor: “Quando o professor está pronto, o aluno aparece”. Minha intuição, me diz que você é muito rico… muitos alunos, aparecerão e continuarão a aparecer.
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LI E RELI, DUAS OCASIÕES DIFERENTES, MAS O FOCO DE AVALIAÇÃO, CREIO TER SIDO BEM DIFERENTES. EM AMBAS VOCÊ NOS OFERECE UMA RIQUEZA DE REFLEXÕES, EMBASANDO EM OUTROS AUTORES. POR ISSO, CREIO, CERTÍSSIMO, É DAR RAZÃO A ALLAIN BOTTON, EM ‘ENSAIOS DE AMOR’ NÃO LI O LIVRO, MAS AGRADEÇO A VOCÊ TÊ-LO LIDO. RECOMENDO SEU ARTIGO, PARABÉNS!
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