Não enxergamos o rosto do homem, somente as costas curvadas de quem atravessou o mundo para voltar para casa – ou de quem carrega todos os problemas da Humanidade sobre uma estrutura frágil, de ossos velhos e de coluna alquebrada. Sob um dos seus braços, presentes coloridos escorregam, enquanto a mão firme segura a mala tão exausta quanto o viajante. À primeira vista, é uma cena festiva: o homem que retorna para o lar, o abraço apertado da sua esposa, os olhares de curiosidade da família e dos amigos. No entanto, existe algo oculto na tela, um desconforto na tessitura da imagem, um terror submerso que só observamos depois de algum tempo: todos os homens que encaram o recém-chegado são variações do mesmo rosto, cada um em um tempo cronológico diferente. Não precisamos ver o rosto do viajante por que ele está diante de inúmeros espelhos, todos debochando, todos ostentando risadas que mal escondem o pânico. O homem achou que podia vencer a morte e o tempo se se afastasse de si mesmo, e não conseguiu: retornou para os problemas, para os medos, para os dramas do cotidiano. Estamos sempre voltando para casa, seja real ou metafórica, e nunca conseguimos escapar de quem somos e da sutil prisão de circunstâncias e destino em que nos colocaram tão logo nascemos, prisão essa que chamamos de vida e nos sufoca lentamente com a certeza da areia movediça. O abraço da esposa aproxima-se de um enforcamento. Como Penélope ao reconhecer Ulisses, a mulher não sabe se chora, se ri ou se diz no ouvido do marido a verdade: você voltou para o lugar onde um dia vai morrer – devia ter fugido quando teve chance.
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