Distrações da escrita

As distrações nos rondam. Nos atrapalham. Somos atormentados por elas em qualquer atividade, estando a escrita aí incluída. Sim, sofremos com as distrações durante esse processo de traduzir aquelas ideias que fervilham em nossa mente na forma de palavras postas. A concentração é um exercício hercúleo. Vencer o desafio de concluir algo bem feito já é motivo de satisfação, de orgulho, de sensação de vitória, de modo que o escritor, ao olhar para o seu texto finalizado, possui todo o direito de comemorar ao seu modo. Por mais que o resultado final não o agrade tanto, o fato de ter passado por diversas distrações durante o(s) ato(s) de escrever deve ser visto como motivo para acalentar o espírito do autor.

Escrever é um ato solitário. Exige concentração, portanto, as distrações devem ser ignoradas, suprimidas, vencidas. Mas reconheço que falar é mais fácil do que quando na prática da escrita.

O autor senta (pelo menos a maioria que eu conheço) em frente ao seu computador (ou máquina de escrever, ou bloco de papel, ou qualquer outra coisa que possibilite a escrita… como preferir). Retoma aquela ideia que teve para escrever sobre algo (puxando da própria memória ou consultando onde anotou a ideia que lhe surgiu anteriormente). Respira fundo. Olha para o branco que o encara. Encara-o de volta. Nesse instante, um exercício de dominação se faz presente. Na realidade, são dois fenômenos nesse mesmo sentido que ocorrem simultaneamente: o domínio do texto sobre o autor (ainda fervilhando em sua mente), e o domínio do autor sobre aquele espaço em branco que precisa ser preenchido. É o momento que a concentração deve surgir e se firmar. Mas é também justamente o momento em que as distrações aparecem, tentando impedir, a todo custo, que a escrita prossiga tranquilamente.

Elas surgem espontaneamente. Pululam ao nosso redor a todo instante e em qualquer lugar. O autor não pode marcar bobeira, pois o terreno da distração é escorregadio. Se não andar de maneira cautelosa, o tombo é certo.

As distrações atrapalham tudo. O tormento por elas causado é percebido ou sentido geralmente algum tempo depois em que esse tempo foi preenchido pelas distrações. Aí vem a angústia, o desespero, o suadouro, a aflição, o medo, enfim, aquela sensação ou sentimento que irrompe o espírito do escritor com agonia.

As distrações da escrita surgem de diversas formas, impedindo um bom desempenho naquilo que está sendo (ou poderia ser) feito. As excessivas conferidas no Facebook, mesmo sabendo que, muitas das vezes, nada há para se ver lá. Aquele prazo estipulado para o término de um trabalho que acaba deixando de ser cumprido (ou o é em cima da hora) devido ao tempo imoderado que se passa no WhatsApp. O episódio daquela série, mesmo podendo ser assistido depois, que tem que ser visto naquele período que deveria ser dedicado à escrita – tudo para não ficar atrás dos amigos que também acompanham o mesmo seriado. Enfim, os pecados contra a escrita podem ser praticados através de vários meios.

As consequências também são das mais variadas ordens. Devido ao ‘render-se’ às distrações, um projeto acaba sendo adiado, ensejando em atraso no tempo que havia sido estipulado. Um texto pode ficar ruim, ou com aquele semblante de ‘faltou algo’, diante do pouco tempo que se dedicou à sua conferência. Tudo culpa das distrações – e também do escritor que se deixou vencer por elas.

Li há pouco um artigo na internet muito interessante. “Os adultos que não terminavam livros”, assinado por Carol Btr[i]. Um texto fantástico que deve ser lido por todos. Nele, a autora fala daquela aflição que é vivenciada por todos nós, leitores e escritores, causada pela distração. Alguns em maior grau, outros em menor, mas o fato é que todos sofremos com as distrações do cotidiano. Por mais profícuos que possamos ser em nossas produções, em nossas leituras, em nossos estudos, o mal-estar do ‘poderia ser melhor’ nos assombra. E tem razão de o ser. O sofrimento com esse fantasma que nos ronda é criado por nós mesmos. Somos culpados pela angústia que experimentamos ao não sermos tão produtivos quanto gostaríamos de ser, pois, de fato, podemos sim, sempre, escrever mais, ler mais, estudar mais. Qualquer subterfúgio utilizado para tentar justificar a pouca leitura, a pouca escrita, o pouco estudo, é apenas uma manobra esquiva e dissimulada que articulamos para enganar a nós mesmos e os outros.

As distrações não vão desaparecer. Por mais fortes e resistentes que sejamos, não é sempre que conseguimos ignorá-las. As vezes elas vencem. Muitas vezes. Mas não se pode desistir com a rendição. O aperfeiçoamento é sempre possível. Aos poucos, com dedicação e franqueza, a melhora surge, resultando num processo de escrita com mais atenção no texto e menos atenção às distrações.

A luta é árdua, mas o que vale muitas vezes é não perder a batalha. Que tal então, agora mesmo, desconectar um pouco para concluir aquele texto que ficou pela metade ou aquele outro que está esperando para ser escrito?


Fonte da imagem:

http://noticias.universia.com.br/net/images/educacion/v/ve/vej/veja-evitar-distracoes-estudos-noticias.png


[i] Texto disponível no link: https://medium.com/revista-subjetiva/os-adultos-que-n%C3%A3o-terminavam-livros-6a49e6798848

 

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Um comentário sobre “Distrações da escrita

  1. O tema foi chamar atenção para as distrações e para o perigo que elas podem advir para a feitura do trabalho de um bom escritor. Penso que elas contribuem para trazer melhoras, em muitos sentidos, para o sucesso da escrita. O inconsciente continua trabalhando, e existe uma metáfora que prova isso: Transpondo posso dizer que se trata de metáforas, e sua gênesis, é bíblica. A verdade assoma, e conferimos que nos saímos bem. “O meu pai, não dorme, ele trabalha dia e noite” (penso que, isto seja, o inconsciente, que tudo faz, alcança e pode) Gostei do assunto. Parabéns! Sucesso.

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