Perdão, Senhor. Contemple a serva maltrapilha a lhe seguir como um cachorro sarnento, ansiosa por uma migalha de carinho, e alcance a ela o bálsamo da generosidade que ainda mora nos teus olhos tão magoados, tão desiludidos com todos os amigos que te abandonaram e depois se jactarão de terem o conhecido. Esqueça a dor das humilhações infligidas ao teu corpo e espírito, esqueça o cuspe da inveja e o sangue que desliza, cansado, por entre os teus ferimentos. Foi o Senhor mesmo quem nos disse: os humanos são falhos, eles atacam aquilo que têm medo, e existe receio maior do que admitir a própria fragilidade diante dos olhos do Criador? Concentre-se em mim, Senhor, olhe para a tua serva – não levantais os olhos em direção à colina onde a Morte lhe aguarda, impaciente, ansiosa por vingar-se daquele que tantas almas tirou dos seus dentes podres. Uma vez tu afastaste os pecados que infestavam a minha consciência e fez-me ver que, debaixo da pele e da memória, ainda existia um ser humano; permita agora que minha imagem seja o rosto amigo que não o abandona nem mesmo nos piores momentos. Pois em verdade me atrevo a dizer que, antes de tudo, além de questões carnais ou vínculos familiares, somos amigos, Senhor. Na alegria e na tristeza, nunca deixarei de estar ao teu lado. Contemple as minhas mãos desajeitadas e os lábios que formulam uma prece implorando para que a tua dor seja leve, para que o teu fim seja misericordioso. Estou aqui, Senhor, a mulher que um dia lavou teus pés e os secou com os próprios cabelos, e jamais irei abandoná-lo. Sou a última amiga que te resta, um raio de reconhecimento no meio da escuridão, e o único arrependimento que tenho é não poder ajudá-lo agora da mesma forma que o Senhor um dia me salvou. Cabe a mim o destino de ser a mulher que chora pelo amor morto, e ficarei até o fim ao teu lado, meu Senhor, meu amor, meu amigo.
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