Mesmo ausente, a sombra incômoda do homem se espalha pela sala de jantar, espalhando ordens com a sua onipresença raivosa. Ela diz para a empregada: se vista de forma apropriada, isso aqui não é um puteiro; alimente o cachorro, ele é o ser mais importante da casa; não erga a voz, seja discreta e mantenha a limpeza em dia, mesmo nos desvãos mais improváveis. A sombra fala para os móveis: mantenham a posição em que eu os coloquei, vocês me pertencem e eu controlo a sua vida e a sua morte; não tenham personalidade; não tentem se destacar. Em seguida, a sombra concentra toda a sua atenção na mulher, deliciando-se com a tensão com que a pequena figura se segura na cadeira, os olhos impregnados de um medo palpável que se projeta para o mundo em busca da salvação que não virá: não coma, não desejo que você engorde; não sorria, você não tem o direito de ser alegre sem a minha presença por perto; não fale, você não pode ter voz própria longe de mim para cercear as suas palavras burras e descuidadas; não coloque chinelos ou uma roupa velha, mulher minha tem que estar sempre ajeitada, sempre perfeita; não tenha uma vida ou carreira, pois nada pode obscurecer a minha existência, ainda mais uma criatura ínfima como você. A sombra do homem ausente sufoca a vida da casa, um lembrete constante sobre quem realmente manda na família. Dentro dos olhos cristalinos da mulher, um esgar de terror – sombra fugidia repleta de líquido – tenta escapar, mas ela não foi autorizada a chorar, e tem medo do deboche da sombra, tem medo de que aquilo que chama de amor seja uma prisão dourada, então mantém o corpo teso sobre a cadeira, esperando que a sombra em breve se junte ao corpo do homem de quem está desgarrada – o homem que acabou com a sua luz.
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