Não escutamos o grito, mas conseguimos imaginá-lo: retumbante, assombroso, com toda a dor congelada no momento exato, terrível, que se preparava para sair dos lábios ressequidos e ganhar o mundo. Os olhos arregalados até quase saltarem das órbitas, a fronte franzida e a boca aberta em um ângulo impossível não deixam dúvidas: eis um homem que sabe que foi condenado a passar a Eternidade em sofrimento. Todo grito contém um pouco de indecência; fomos ensinados a não expor a dor publicamente, a não sentir em demasia, a não expressar em voz alta o desespero que corrói a nossa paz de espírito. Todo esse ensinamento só serve para sufocar os inúmeros gritos que enchem nossas bocas, transformando-nos em criaturas repletas de pulsões selvagens, silenciosas. Para libertar seu pavor nesse grito mudo que o mármore eternizou, o homem tinha que experimentar a pior de todas as sensações: o fim da esperança. A certeza de que nada irá salvá-lo, seja do horror invisível que jaz aos seus pés, seja do formão e do cinzel do escultor que manuseia a forma bruta do mármore e dá concretude para um terror eterno, indescritível. Um medo desconhecido, mas que sabemos que mora no fundo do nosso espírito, no local em que a sombra se separa do corpo. Nunca saberemos qual o som da voz que mora no fundo da insensata pedra; nunca saberemos a origem de tamanho pânico, se o homem percebe-se condenado ao inferno ou à dor. No entanto, no meio da anônima noite, às vezes sentimos o medo escorrer pelas paredes repletas de escuridão e se despejar sobre o nosso peito. Nessas ocasiões, repletas de angústia longa e excruciante, gostaríamos que um grito iluminasse nossas trevas internas e expulsasse o fardo de existir da mesma forma que expulsamos um cachorro do quarto.
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