Adriana Duque, Menina 10, impressão fotográfica a jato de tinta sobre papel algodão, 168 x 150 cm, 2017.
As obras de Adriana Duque têm crianças como figuras centrais de suas composições, entretanto, não são quaisquer crianças de nosso tempo em seus ambientes rotineiros. A fotógrafa cria todo um imaginário através de cenários e peças de vestuário e acessórios feitos especialmente para suas fotografias, registros de performances apresentadas somente para sua câmera. Na maior parte dessas imagens de uma grandeza teatral, vemos crianças de outros tempos, principalmente do barroco, que nos olham fixamente e possuem sempre olhos azuis, adicionados digitalmente.
Através de retratos de crianças, de corpo inteiro ou de rosto, a artista trás lembranças de sua infância, colocando os pequenos modelos como uma representação dela mesma durante aquele tempo. Uma aura de sonho, de contos de fadas, típica das lembranças, embaçadas pelas brumas do tempo, não pode deixar de ser notada.
Adriana Duque, Maria 3, impressão fotográfica a jato de tinta sobre papel algodão, 160 x 140 cm, 2011.
Ainda de maneira geral às suas criações, temos o interessante diálogo entre fotografia e pintura. A história da arte ocidental conhecida pela artista se torna matéria prima de sua criação, que reinterpreta e faz releituras, sobretudo, da pintura holandesa do século XVII. Assim, a composição faz referencia a pinturas antigas e a fotografia e a manipulação digital posteriores trazem uma perfeição lisa, quase impossível de outra maneira.
Como era recorrente nas pinturas de renomados mestres que mostravam crianças da nobreza e da realeza encarando o espectador, suas personagens ostentam traços sérios – era de mau gosto sorrir mostrando os dentes na época, hábito que continuou banido na fotografia até parte do século XX – mas olhos penetrantes que invadem o espectador, quase o desconcertando.
Acredito que o fato de os olhos serem sempre azuis seja devido à referência constante em suas obras à colonização europeia na América Latina – a artista é colombiana –, ou seja, a invasão e a imposição da cultura da Europa aos povos locais e aos negros trazidos escravizados. Na fotografia Menina 10, os “obrigatórios” olhos azuis ficam mais evidentes, dado que a menina é negra e muito dificilmente possuiria olhos nessa cor, tornando a imposição cultural, inclusive a imposição de beleza física, ainda mais explícita através desse contraste. A menina através de seu olhar penetrante parece se rebelar, apesar de permanecer imóvel e adornada.
Outro ponto que aparece nessa fotografia que é bastante frequente nas criações de Adriana, e até já foi tema de disputa com a Dolce & Gabbana, que o teria copiado, são os fones de ouvido – com bluetooth? – que parecem coroas. Aqui, este aparece dourado, com animais de fazenda sobre a cabeça, entretanto, a fotógrafa confeccionou ela mesma, desde 2011, diversas outras variações do acessório que lembra tiaras e capelos de outros séculos, com pérolas e pedrarias.
Adriana Duque, Maria 14, impressão fotográfica a jato de tinta sobre papel algodão, 147 x 178 cm, 2014.
Adriana Duque, Maria 26, impressão fotográfica a jato de tinta sobre papel algodão, 147 x 141 cm, 2014.
Algumas vezes, os fones não estão diretamente presentes na imagem, mas são lembrados através de coques ao lado da cabeça ou outros elementos que lembram sua forma arredondada próxima às orelhas. Esse anacronismo – algo que estaria situado em tempo errado -, que nos lembra que não, não estamos vendo uma imagem de outro século, representa o isolamento proporcionado por esse objeto, típico da contemporaneidade, no qual fones de ouvido de marca são ostentados tal qual coroas reluzindo de pedras preciosas, sobretudo nas gerações mais novas.
Adriana Duque, Princesa 1, impressão fotográfica a jato de tinta sobre papel algodão, 162 x 150 cm, 2018.
Adriana Duque, Agnes, impressão fotográfica a jato de tinta sobre papel algodão, 120 x 155 cm, 2008.
Adriana Duque, La Guitarrista, impressão fotográfica a jato de tinta sobre papel algodão, 110x105cm, 2013.
Entretanto, quando apreciei essa imagem pela primeira vez, acredito que em uma edição da SP-Arte, o que mais captou meu olhar foram os animais sobre os fones de ouvido. É curioso, pois não é o tipo de elemento que se espera nem em uma coroa, nem em um fone de ouvido.
Adriana Duque, Menina 10, impressão fotográfica a jato de tinta sobre papel algodão, 168 x 150 cm, 2017.
Por que estariam aqueles animaizinhos ali? Eles estão presentes em algumas outras imagens, e, inclusive, em uma delas vemos até mesmo uma casinha no meio deles. Essa casinha, junto à visão de outras obras da artista que retratam interiores e pessoas de sua terra natal, assim como o conhecimento sobre o fato de que a infância é importante em sua poética, me fez pensar que talvez os animais sejam provenientes de alguma memória de seu tempo de criança. Na série Princesas, no lugar de uma coroa ou adorno de cabeça, a menina ostenta uma vaca no lugar onde estaria sua coroa.
Adriana Duque, Menina 6, impressão fotográfica a jato de tinta sobre papel algodão, 165x145cm, 2015.
Adriana Duque, Menina 8, impressão fotográfica a jato de tinta sobre papel algodão, 132 x 154 cm, 2018.
Adriana Duque, Retrato 1, impressão fotográfica a jato de tinta sobre papel algodão, 180 x 150 cm, 2018.
Os olhos, azuis, e os fones de ouvido, dourado, são os únicos elementos da composição que não possuem cor escura – em outra obra, Menina 14, quase tudo, até mesmo os fones, mas não os olhos, são escuros -, e, portanto, são chaves para decifrar sua complexidade. Menina 10, em minha opinião, uma das imagens que representam o ponto alto da poética desenvolvida pela artista.
Adriana Duque, Menina 14, impressão fotográfica a jato de tinta sobre papel algodão, 175x150cm, 2017.
Links:
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http://www.adrianaduque.com/home_i.html
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http://zippergaleria.com.br/media/uploads/artists/arqartista/adriana-duque.pdf
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https://simonde.com.br/tag/adriana-duque/
Fontes das imagens:
http://www.zippergaleria.com.br/pt/artistas/adriana-duque/