Você é aquilo que você come. Diga-me com quem andas e te direi quem é. Os seus hábitos refletem o que você é. Essas e outras menções são ditos, passagens, menções e jargões costumeiramente mencionados entre nós. Seja jocosamente, seja como forma de conselho ou constatação, há presente um elo entre o que se absorve e quem absorve, transmutando-se para algo que se torna uno. As duas coisas acabam sendo uma só. Isso seria mesmo sempre assim ou há situações e situações que devem ser analisadas dentro de um contexto próprio na qual estão inseridas?
Independente da forma com a qual o leitor compreenda essa questão, a ideia (jocosa) é trazer essa mesma forma de se pensar e dizer para o campo da literatura. Desta forma, pergunto: já imaginou se assim também fosse dito com relação aos livros?
O que é lido repercute no modo de agir e pensar do leitor? Uma relação nesse sentido, levada ao extremo, ensejaria em conclusões absurdas. E como a ideia do presente texto é a de ter um tom de humor, aponto para alguns cenários possíveis que surgem nesse cenário de irreflexão.
O leitor de obras mais picantes é necessariamente alguém viciado em sexo, depravado ou liberal (em qualquer sentido do termo)? Os leitores de romances policiais possuem gosto por sangue? Histórias de amor contadas em livros são lidas apenas por pessoas apaixonadas ou que veem o mundo de maneira mais romântica? Uma coisa significa necessariamente a outra?
E o induzimento, far-se-ia presente? Ler livros de terror torna alguém um psicopata ou insensível? Livros humorísticos transformam o leitor numa pessoa mais risonha e alegre?
Fosse assim, os livros poderiam ser apontados como culpados por muito mais coisas do que já são. Hannibal, por exemplo, poderia ser explicado como alguém que leu alguns livros de antropologia e retirou de algum deles a ideia de provar um tipo peculiar de carne? Dexter teria se tornado o que é pela leitura de livros de terror, de romances policiais, de histórias de psicopatas?
O absurdo, porém, não está tão longe da realidade. Ressalvados os excessos reservados à licença poética que este texto permite, poderíamos apontar para alguns exemplos concretos em que os livros receberam a culpa por influenciar o leitor a algo. Falo aqui dos livros ficcionais, registre-se. Isso já acontece no universo dos games, por exemplo, onde jogos violentos são taxados de influenciarem os jogadores a adotarem determinada postura. Por isso os livros também acabam eventualmente sentados no banco dos réus.
Para além dos exageros no campo do hipotético (mas não tanto), algo mais palpável, mais visível, pode ocorrer dentro dessa lógica de “uma coisa significar outra”. Você já julgou ou foi julgado por estar lendo determinado livro? Esse é um exemplo em que, consciente ou inconscientemente, é feita essa relação entre o que se lê e o que se é. Posso acabar atribuindo uma qualidade (positiva ou negativa) a alguém que esteja com um livro na mão, mesmo sem saber por qual razão a pessoa esteja com aquela obra. Pelo julgo que faço da obra, acabo julgando também o seu leitor. Isso é certo?
Enfim, num outro nível em que essa relação poderia ser observada é na influência que um autor ou livro acarreta no leitor. Quem já não perdoou a si mesmo quando, ao escrever um parágrafo muito grande e se sentir incomodado com isso, lembrou das belas obras de Saramago e seguiu com a escrita sem mais se preocupar com aquele longo trecho escrito? Os jeitos e trejeitos dos autores que lemos, nesse sentido, acabam repercutindo, de algum modo, em nosso agir e pensar.
Seja como for, levemos em conta que uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. Há espaços e limites para poder se dizer que se é aquilo que se lê.
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Adorei a reflexão!
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