Um assassino que rouba o cheiro de suas vítimas em ‘O Perfume: A História de um Assassino’

“O Perfume – A História de um Assassino”. Filme de Tom Tykwer. Narrativa da saga do humano. Narrativa que sempre pode ser sob diversos sentidos. O filme realmente seria uma maneira de evidenciar um dos sentidos humanos, o olfato. A linguagem ali foi explorada como local privilegiado de acesso ao mundo. Contudo, a razão moderna não seria nesse caso o fiat lux.

A narrativa de “Perfume”, que traz em seu subtítulo “a história de um crime”, traça por linhas marginais o conteúdo que rege por detrás dos lenços, dos cheiros, as relações humanas. Um perfume pode ser ao mesmo tempo aquele que faz amar e junto desse amor, aquele que mata. Jean-Baptiste Grenouille (Ben Whishaw), filho abandonado em uma feira é recebido em um orfanato. Nasceu no lixo. Em meio a todos os locais para onde acabam indo os humanos. Tornam-se adubo da terra. De alguma maneira, Grenouille ao se misturar com aquela podridão, inaugura o que seria o tom de sua vida: a relação com os variados cheiros do mundo.

O mundo, o céu e o inferno, se misturam no horizonte de  Grenouille. Enquanto inaugura seu mundo  a partir dos novos cheiros que sente, envolve-se em um assassinato. Essa cena na qual persegue uma bela moça e procura, depois dela morta, absorver e guardar seu cheiro, mostra a ânsia com a qual seus sentidos recobravam suas existência. Grenouille se comunicava com o mundo pelos cheiros. Não havia distição de cheiros. O outro se apresenta ao perfumista de nascença como um infinito. Como seu senhor. É nele que mora a própria condição do existir de Grenouille. O outro enquanto obra que o hospeda. Que o aprisiona. Tanto que ele é uma criança que custa aprender a falar. Isso seria uma mostra de que há horizontes outros de linguagem. Os sentidos dão-nos o mundo. Contudo, o cristianismo cuidou de levá-los ao patamar de pecado. Aqui estaria a próxima parte de nossa prosa.

“O Jardim das Delícias Terrenas” é um tríptico de Hieronymus Bosch. Nesse quadro podemos observar nas extremidades o céu e o inferno. Ao meio há uma imagem que quer simbolizar a vida terrestre na qual os humanos se relacionam sexualmente de maneira explícita. Esse quadro significaria a criação humana uma vez que fechado traz o seguinte trecho do Salmo 33: “Ele o diz, e todo foi feito. Ele o mandou, e tudo foi criado”. Daí em diante a visão sobre o filme se toma por simbolismos.

O perfumista recebe uma lição de seu mestre. Essa lição diz que um tipo de perfume perfeito poderia fazer recair sobre todos os humanos o sentimento do amor. As notas dos perfumes vão desde a apreensão pela cabeça, mais rápidas, notas do coração, pouco mais duradouras e por fim as notas de fundo, que perduram por longos tempos. Essa tríade de notas seria a mesma tríade do quadro que simboliza o céu, o inferno e a terra? O perfume seria a prova divina? Quando Grenouille comete os homicídios para retirar das mulheres a sua essência, cada uma a trazer uma essência, estaria ele a compor seu próprio mundo? Eva mordeu a maçã envenenada que trouxe o pecado. A essência retirada das vítimas de Grenouille formou o perfume ideal. A mulher, fecunda, criara assim o mundo a  partir do seu ventre? O mundo está, portanto, condenado ao pecado pelo cheiro da mulher?

Grenouille, o novo messias? Quando questionamos essa ideia, estamos a pensar na história de Cristo como uma ideologia. A simbologia e os ritos necessariamente mantidos para sua existência também aparecem no filme. Grenouille seria pregado na cruz. Receberia doze pancadas. Contudo, ao deixar esvair pelos homens a sua boa nova, em forma de perfume, tem todos prostrados a seus pés. Seria o Cristo uma invenção? Podemos criar outros a partir dos sentidos? O Cristo espiritualmente mantido presente poderia ser um Cristo que existe pelos sentidos? Mais uma vez estaria Nietzsche correto: “Deus está morto”? A carne negada pelo cristianismo poderia frutificar e fazer novos Cristos? Qual o cheiro de Cristo? Ele possui? As mulheres foram queimadas na Inquisição. O filme ocorre na França pré-revolução: seria Grenouille o deus de um iluminismo com menos razão e mais cheiro? Sabe-se apenas que Grenouille morreu devorado pelos que idolatravam seu cheiro. É o ciclo da existência: deuses não podem viver como homens.

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