Antonio di Puccio Pisano, dito Pisanello, Retrato de uma jovem princesa dito Retrato de uma princesa da casa d’Este, têmpera sobre madeira, 43 cm x 30 cm, por volta de1435 -1440. Conservada no Museu do Louvre, Paris, França.
Através do pincel de Pisanello (1395-1455), entre o gótico internacional e o Renascimento, chega até nós a imagem de uma nobile donna – mulher nobre – em trajes do início da Renascença e penteado « à antiga », muito na moda na época, representada com o rosto de perfil e o torso ligeiramente virado em direção ao espectador. O fundo escuro composto de folhagens, decorado com borboletas e flores, destaca a pele alva e a delicadeza dessa princesa ligada à família d’Este. E como sabemos que se trata de uma figura histórica conectada à dinastia imperial que governou Ferrara do século XIII ao final do século XVI?
As pinturas se comunicam com os espectadores através de símbolos não tão escondidos e atributos que remetem à história, ao nome – pessoal ou dinástico – ou ainda a características do personagem representado. Inclusive, é importante ressaltar que Pisanello, artista da obra em questão, é visto como o recriador das efígies em medalhas, inspiradas nas moedas antigas que representavam imperadores romanos de perfil e guardavam sua imagem para a posteridade, sendo assim, consequentemente, um grande influenciador desse tipo de retrato aristocrático repleto de alusões e emblemas que entrariam na moda no período.
A identificação parece simples, porém elementos contraditórios e figuras com emblemas e histórias próximas, podem levar a confusão dos observadores e historiadores da arte, algumas vezes, levando a verdadeiras disputas ideológicas. Aqui, é possível ligar a princesa de perfil à casa d’Este graças ao jarro em sua manga esquerda, símbolo da dinastia que se tornou emblema pessoal de um de seus exponentes, Leonello d’Este. Outra ligação seria possível através dos tons do detalhe listado do vestido que são predominantes na obra, o verde escuro do fundo, o branco do vestido e da fita no cabelo e o vermelho da manga, todas elas também presentes harmonicamente no fundo da composição nas asas das borboletas e pétalas das flores. Essas são as cores do brasão dos Gonzaga, senhores de Mântua na época, e, respectivamente, associadas ás virtudes teologais da esperança, fé e caridade.
Dado que o jarro se tornou emblema pessoal do Leonello d’Este e este governou durante pouco tempo (1441-1450) o feudo papal de Ferrara, o número de candidatas ligadas ao personagem que poderiam ter sido pintadas por Pisanello diminuem. Os historiadores apontam quatro possíveis nomes: Ginevra d’Este, Lucia d’Este, Cecilia Gonzaga, ou ainda Marguerita Gonzaga.
A hipótese que indica o nome de Ginevra d’Este é sustentada pelo jogo de palavras entre seu primeiro nome e aquele da conífera juniperus, ginepro, em italiano, o qual um ramo aparece bordado no vestido usado pela mulher da pintura. Se essa possibilidade se mostrasse correta, a personagem representada seria a esposa de Sigismondo Malatesta, príncipe condottiere senhor de Rimini, nascida em 1419 e morta envenenada pelo marido em 1440. Poderia ser um retrato realizado na época de seu casamento, ou ainda, a morte precoce pouco tempo depois de seu casamento poderia ter dado origem à um retrato póstumo, ambas as práticas em voga na época. A segunda ideia é reforçada pelos cravos e aquilegias, símbolos de luto. Impossível, nesse caso, não se lembrar do seu famoso Retrato de Simonetta Vespucci, no qual Piero di Cosimo retoma o retrato de perfil, do qual espero ainda falar aqui no Obra de Arte da Semana.
Piero di Cosimo, Retrato de mulher dito de Simonetta Vespucci, óleo sobre painel de madeira, 57 x 42 cm, 1490. Conservado no Musée Condé, no Castelo de Chantilly, Chantilly, França.
Entretanto, é estranho que Ginevra d’Este não tenha uma ligação forte com a casa Gonzaga, sendo assim incoerente as cores do retrato serem aquelas do brasão dos senhores de Mântua. Em pinturas antigas, nem sempre detalhes eram meros detalhes, já que elas eram destinadas ao olhar de um público culto que poderiam « ler » e entender suas diversas sugestões. O mais lógico seria que houvesse uma alusão à Sigismondo e não aos Gonzaga. Ficamos aqui entre a planta do vestido e as cores da pintura. O que teria mais validade? Não se decida ainda, vejamos as próximas candidatas, que inclusive, também morreram em idade jovem, enfraquecendo assim ainda mais a teoria do retrato póstumo como indício do nome de Ginevra d’Este.
Existe também a indicação do nome de Lucia d’Este (1419-1437), irmã de Ginevra e Leonello e esposa de Carlo Gonzaga, membro menos importante da dinastia de Mântua, sustentada pela semelhança entre uma miniatura dos membros da família d’Este que representa Lucia e a imagem representada do retrato.
A identidade de Cecilia Gonzaga, irmã de Marguerita Gonzaga, esposa de Leonello, já foi sugerida, dado que a medalha que Pisanello realizou de Cecilia em 1447 tem várias semelhanças com o retrato em questão. Poderia se tratar de um hábito do artista que pintaria seus modelos antes de reproduzi-los em uma medalha, e, nesse caso, seria também o retrato de Leonello uma espécie de esboço?
Uma das medalhas de Cecilia d’Este por Pisanello, modelo de 1447. Conservada no The Metropolitan Museum of Art, Nova York, EUA.
A semelhança das duas obras quase me convence, mas, porque Cecilia Gonzaga, que recusou se casar com o homem escolhido por sua família, tornando-se uma religiosa, seria representada com o emblema da casa d’Este, mais particularmente um de Leonello? Seria o simples fato de sua irmã ter se casado com o marquês suficiente? Aparentemente não. Seu nome não é nem mesmo citado no artigo sobre a obra no site do Louvre e a datação da pintura afirmada pelo museu (por volta de 1435-1440) também não bate com a realização da medalha.
Chegamos finalmente à hipótese que mais me satisfaz. Poderia se tratar do chamado « quadro de casamento », bastante comum em várias épocas, inclusive no final da Idade Média e Renascença, representando Marguerita Gonzaga que se casou com Leonello d’Este em 1435. Um elemento material importante que poderia sustentar essa teoria é a pintura do mesmo artista representando o marquês, conservada na Accademia Carrara, em Bergamo.
Antonio di Puccio Pisano, dito Pisanello, Retrato de Leonello d’Este, têmpera sobre madeira, 28 cm x 19 cm, 1441. Conservado na Accademia Carrara, Bergamo, Itália.
Era bastante frequente – e continuou sendo até o século XIX – retratos duplos apresentando um casal, na ocasião ou não de sua união. A folhagem do fundo, repleta de flores e motivos primaveris alegres, poderia indicar uma tela de casamento. Porém, se colocássemos os retratos lado a lado, seria óbvio a estranheza proporcionada pelas dimensões diferentes das obras. O da princesa mede 43 x 30 cm, enquanto que o do marquês mede 28 x 19 cm. Retratos duplos deveriam obviamente ser do mesmo tamanho, os personagens proporcionais e os fundos harmônicos – pensemos ao belo duo de Piero della Francesca representando Federico da Montefeltro e Battista Sforza.
Piero della Francesca, Retrato do duque e da duquesa de Urbino, 47 x 33 cm, 1465 – 1472. Conservado na Galleria degli Uffizi, Florença, Itália.
Este poderia ser um retrato individual pintado na ocasião de um casamento Este-Gonzaga. Sobre a questão da folha do pinheiro juniperus, Marguerita teria feito sua entrada solene em Ferrara passando por um caminho ladeado por essa planta.
Além do problema na identificação da personagem representada, a obra também já teve seu realizador erroneamente identificado, dado que na época não era comum a assinatura e poucas pinturas de Pisanello sobreviveram até nosso tempo. Comprado em 1860 pelo cônsul alemão Felix Bamberg como uma obra de Piero della Francesca, o retrato foi somente identificado por Adolfo Venturi como da mão de Pisanello em 1889, depois de já ter entrado no Louvre em 1893, graças a doação de Charles Picard. A mudança de atribuição foi plenamente aceita.
A datação da pintura entretanto, é contestada, sendo um problema ligado à identificação da mulher figurada e sua história. Hell sugere, em 1905, a data de 1432, primeira passagem de Pisanello em Ferrara, quando ele se dirigia à Roma, enquanto que e Venturi e Colette situam a obra no ano de 1433, data do casamento de Ginevra d’Este e Sigismondo Malatesta. Porém, a data mais aceita, entre 1435 e 1440, sugerida por Degenhart, Brenzoni, Magognato e Sidona, é a que figura oficialmente no Museu do Louvre.
Bibliografia
Roberto CASANELLI (Dir.), Ateliers de la renaissance, Saint-Léger-Vaubadn : Zodiaque; Paris: Desclée de Brouwer, 1998.
Renzo CHIARELLI, Michel PASTOUREAU, Gaston DUCHET-SUCHAUX, Tout l’oeuvre peint de Pisanello, Paris, Flammarion, 1987.
Alison COLE, La renaissance dans les cours italiennes, Paris, Flammarion, 1995.
Dominique CORDELLIER, Bernadette PY, Pisanello : atos do colóquio organizado no Museu do Louvre pelo Service Culturel, 26, 27 e 28 de junho de 1996, Paris, La documentation française, 1998.
Dominique CORDELLIER, La Princesse au brin de genévrier, Paris, RMN, 1996.
Joan SUREDA, José MILICUA, Laurent GONZALEZ, L’art de la renaissance : le quattrocento italien, la peinture flammande et son rayonnement, Paris, Larousse, 1991.
Sites
Medalha de Cecilia Gonzaga no Musée du Louvre http://www.louvre.fr/en/oeuvre-notices/medal
http://www.oxfordartonline.com.domino-ip2.univ- paris1.fr/subscriber/article/opr/t118/e2061?q=pisanello&search=quick&pos=2&_start=1#firsthit Pisanello in The Oxford Companion to Western Art
http://cartelfr.louvre.fr/cartelfr/visite?srv=car_not_frame&idNotice=1241&langue=fr Portrait d’une jeune princesse na base de dados Atlas do Museu do Louvre
http://www.louvre.fr/oeuvre-notices/portrait-dune-jeune-princesse Portrait d’une jeune princesse in Musée du Louvre
http://www.accademiacarrara.bergamo.it/ Ritratto di Leonello d’Este no Catálogo da Accademia Carrara
Fonte das imagens :
By Pisanello – The Yorck Project: 10.000 Meisterwerke der Malerei. DVD-ROM, 2002. ISBN 3936122202. Distributed by DIRECTMEDIA Publishing GmbH., Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=156421
Di Piero della Francesca – Web Gallery of Art: Image Info about artwork, Pubblico dominio, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=8013347
By Pisanello – The Yorck Project: 10.000 Meisterwerke der Malerei. DVD-ROM, 2002. ISBN 3936122202. Distributed by DIRECTMEDIA Publishing GmbH., Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=156422
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