
Raffaello Sanzio, 1511
Villa Farnesina, Roma, Itália
Afresco, 295 x 225 cm
Inicio do século XVI, em meio a um turbilhão de descobertas, numa época em que os grandes mestres pareciam surgir em um só lugar, ou extremamente próximos, faz com que hoje, olhemos para o devido momento, com olhos de uma época que deixou marcas indeléveis na história da arte e da humanidade. Nesse contexto, ao lado de nomes como Michelangelo e Da Vinci, o sereno Rafael, conquista espaço ao propagar seu nome e suas habilidades artísticas, tornando-se um dos “deuses da Renascença”.
Na leitura pessoal de hoje, trouxe a Ninfa Galateia (1512-1514). De início, nem eu soube responder o que me chamou tanta atenção, a história, que envolve mitologia, as cores, construção visual da obra, expressividade… Até hoje me questiono, tentando descobrir. O mais incrível é que a cada vez que paro para olhar percebo algo diferente, “leio” coisas novas, como se a obra se reinventasse diante dos meus olhos de acordo com meu estado e novos conhecimentos apropriados. Esse é um dos pontos fortes das obras renascentistas (e das grandes obras de arte, em geral, que fazem o nosso coração acelerar e mudam a gente em um aspecto muito íntimo, que por vezes, nem conseguimos identificar), e sinceramente, eu acho isso extraordinário.
Rafael chegou à cidade de Roma numa época em que a mesma era um dos locais mais importantes da Europa, centro da Igreja Católica e cenário de revoluções científicas, tecnológicas e artísticas. Constantemente era convocado para somar e fazer maior a magnificência da cidade. Em 1512, conta-se que Chigi, um dos seus patronos, pediu ao mestre para que ele realizasse um afresco na parede de uma arcada com vista para um rio. Durante a Renascença, os escritores muitas vezes descobriram histórias na antiga literatura grega e romana que gostavam de recontar; uma delas era o romance de Galateia.
Rafael pintou a nereida de pé numa concha puxada por dois golfinhos, um dos quais mastiga um polvo. Ele não usou ninguém como modelo, baseou Galateia em “um ideal”. A beleza ideal era algo que os antigos gregos buscavam em sua arte. E o descobriram observando pessoas bonitas e construindo a pessoa ideal ou “perfeita”, a partir de partes de cada uma delas. Rafael planejou seu afresco de forma que Galateia fosse o centro das atenções, ou seja, não importa o quanto observemos, hora ou outra, sempre voltamos os olhos à ninfa. Seguem abaixo, outros pontos percebidos que também colaboram para tal êxito:
• Ele veste somente a ninfa de vermelho
• A capa que se espalha por trás da deusa a isola dos demais
• Ela está no centro da composição, ligando o céu e o mar com o “giro” de seu corpo
• O tritão disposto à esquerda e a nereida à direita levantam os braços no sentido de seu rosto, desviando a atenção de si mesmos e voltando-a em sua direção
• Sete linhas estreitas formadas pelas setas acima e pelas rédeas que ligam suas mãos aos golfinhos também estão orientadas para a ninfa
• Galateia parcialmente vestida e equilibrada remete à estátua de Vênus
• Cada figura corresponde a uma outra figura, os corpos em sentidos opostos e um jogo de movimentos e contra movimentos
• E como Gombrich (1995) cita: “o que é mais admirável é que todos esses movimentos diversos são, de algum modo, refletidos e absorvidos na própria figura de Galateia”.
Para além das características visuais e do mito de Galateia, pesquisei também o poema de Poliziano em que Gombrich diz Rafael ter se inspirado para realizar a obra. Descobri que na verdade, o poema uma releitura de Poliziano sobre o mito, e então Rafael se apropria do poema e faz sua releitura em cima da releitura de Poliziano! E o resultado está aí, o afresco de uma candência indizível (situado na Villa Farnesina) que atravessou séculos e até hoje encanta os olhos e o coração de muita gente.
Fontes:
GOMBRICH, E. H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC Livros Técnicos e Científicos, 1995.
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Comentário baseado em aulas do curso de Artes Visuais do Centro Universitário de Maringá (Unicesumar), 2015.