“Retrato de Varya Adoratskaya” (1914), Nicolai Fechin
Existiu uma época em que o mundo era um local incrível: cheio de novidades, de luzes, de sons estranhos que tentávamos transformar em imagens, de sabores esdrúxulos que agradavam ou repudiavam ao paladar. Todos nós passamos por essa época. Não sabíamos então, mas era o melhor dos tempos. Precisávamos desbravar territórios novos, mapear locais ainda desconhecidos, e cada dia era um novo dia, cheio de aventuras e de descobertas. Não sabíamos o que era segunda feira ou álcool; desconhecíamos o conceito de responsabilidade, de dor, de noites repletas de angústia. A morte era uma ideia inexistente e, assim, todos éramos imortais. Contudo, aos poucos, o universo que circulava ao nosso redor começou a se firmar. Passamos a reconhecer rostos, lugares, vozes amigáveis, gritos ríspidos. Não demorou muito para a fome nos pressionar, para a solidão visitar nossos dias, para o terror habitar as trevas do quarto. O mundo foi diminuindo de tamanho, e deixou de ser mágico para se transformar em um local repleto de perigos e de instabilidades. Os confortos diminuíram, enquanto que os desesperos começavam a projetar suas sombras sobre as nossas vidas. Tudo que é maravilhoso um dia morre. Fechar os olhos hoje não serve para criar outra realidade quando voltarmos a abri-los; estamos presos a um destino que brinca conosco como se fossemos lambaris em um açude, e nunca escaparemos. A única constante da vida é estar vivo. E assim vamos até o dia em que a tristeza ensombra nossos olhos pela primeira vez e é quando, mesmo sem saber, que a experiência de ser humano começa, pois viver não passa de se arrastar de uma dor até outra até o conforto final. Por isso, nenhum de nós esquecerá o anônimo e terrível dia em que, enfim, a inocência morre – o dia em que o medo nasce.