“Remake da Pietà” (2011), Jan Fabre
A vida dela acabou no momento em que soergueu o corpo sem vida do próprio filho, enlaçando o pescoço que, mal a morte se apossara dos batimentos cardíacos e determinara o seu silêncio, já esquecia a consistência elástica e logo seria pedra. A partir de então, a mulher não mais sorriria do mesmo jeito, por mais que tentasse; as risadas perderiam a inocência, sempre com um travo de amargura; a comida iria ganhar o sabor de cinzas e de dores mal curadas, os dias de sol virariam uma piada sem graça que demora a acabar, as noites se transformariam em infernos insones povoado pelo silêncio. Ela estava morta, mas – ironia das ironias – ainda respirava, ainda sentia, e estava afundada no poço de um desespero tão terrível que temia abrir a boca e despejar gritos como se fosse uma catarata que se liberta da incômoda represa. Desde aquele dia, o mundo deixaria de ter cores, as roupas não mais serviriam para embelezar, as olheiras e rugas tomariam posse ciumenta do seu rosto. Nunca mais escutaria o filho cantar, nunca mais ralharia com ele quando abrisse uma panela, nunca mais sorriria ao imaginar os netos futuros: tudo acabado, tudo. Menos ela, a mãe, que continuaria a vagar pela Terra como se fosse uma sombra sem o corpo que lhe dá substância. Valia a pena viver, se estava morta por dentro? A mulher reconhece no filho o seu semblante, sabe que morreu junto e, agora, a existência irá se limitar à uma espera indiferente pelo momento em que a Morte virá também buscá-la, pois quem mata o filho de alguém condena a sua mãe a se tornar uma escrava da vida. O inferno de perder a alma e continuar viva está recém no início, e a mulher logo chorará a primeira de muitas lágrimas que se tornarão suas mais fiéis companheiras, mas agora, nesse segundo, ela só quer dar um último abraço antes que as trevas engulam o corpo tão amado.