OBRA DE ARTE DA SEMANA: “Fonte” de Marcel Duchamp


Marcel Duchamp, Fonte, mictório em porcelana manufaturada e tinta, 61 cm x 36 cm x 48 cm, 1917. Conservada no Museu Nacional de Arte Moderna, Paris, França.

A obra dessa semana é uma daquelas que os desavisados consideram ser uma falsa obra de arte, algo que não deveria estar em um museu, algo que simplesmente não é arte. Porém, talvez alguns desses visitantes não pensassem dessa maneira, mesmo 100 anos depois de sua criação extremamente vanguardista, se soubesse seu histórico e a intenção do artista. É exatamente para isso que esta coluna existe, não é?

Trata-se realmente de um mictório, sobre o qual Duchamp assinou seu nome – na verdade, um pseudônimo, R. Mutt – e deu-lhe um título, tal qual ao término de uma criação. Título curioso e brincalhão – como em várias obras dadaístas – já que objeto inicialmente serve para coletar um líquido, ao contrário de uma fonte, que o expele.

A obra é um ready-made dadaísta, ou seja, um objeto já pronto – é exatamente isso que significa a expressão ready-made – que é selecionado pelo artista e a partir de então passa a ser uma obra de arte. Geralmente, tratam-se de objetos comuns, da vida quotidiana, tirados de seus contextos e ressignificados pelo artista. A ideia do dadaísmo, do ready-made e dessa obra, especificamente, é exatamente questionar o papel do artista e o uso de materiais e técnicas tradicionais.

Tudo começou com Braque, cubista, posteriormente seguido por Picasso, que incorporou os primeiros pedaços de jornais e cartazes em suas pinturas, as ditas colagens e papéis-colados. O jornal, em vez de ser pintado pelo artista, era colocado verdadeiramente sobre a tela. A partir daí, outros artistas de outras correntes também colocaram objetos alheios ao mundo da arte em suas obras e criaram, por exemplo, esculturas servindo-se de materiais até então inéditos na tríade das esculturas argila-pedra-bronze. A fotomontagem e o surrealismo são somente algumas das aplicações diferentes das colagens, papéis-colados e incorporação de objetos em obras. No caso do surrealismo, os objetos ainda são pintados, mas estão completamente fora das normas da realidade, em locais e de maneiras que não se se encontrariam no mundo real.

Nesse ponto podemos nos perguntar, seria a Fonte uma escultura? Ou uma instalação – obra na qual o artista dispõe objetos de certa maneira para representar ou significar algo, mas que também pode ser pintada, modificada, feita ou não com objetos criados pelo artista? Ou simplesmente um ready-made? Na arte moderna e contemporânea, os limites são bastante flexíveis e as opiniões divergem. Para mim, Fonte não é uma escultura, pois o artista não modificou o objeto encontrado além de aplicar sua assinatura e dar-lhe um título, sendo mais próximo da instalação. Acredito que seja mais simples e menos confuso colocá-lo simplesmente como ready-made ou instalação ready-made.

É curioso o fato de que a obra em questão existe em mais de um exemplar e nenhuma delas é a “original”, que foi perdida e posteriormente recriada por Duchamp. Entretanto, nesse caso, dado que a simples escolha do artista consagra o objeto como obra, não existe propriamente dito um original. O que poderia mudar sua categoria seria o fato de que as “réplicas” não foram simplesmente escolhidas pelo artista, mas fabricadas sob sua direção, em 10 exemplares para uma exposição específica na Galeria Schwarz, em 1964.

Fotografia de Alfred Stieglitz do “original” de 1917.

Bibliografia:

Denys RIOUT, Qu’est-ce que l’art moderne?, Paris, Gallimard, 2000.


Fonte das imagens:

https://fr.wikipedia.org/wiki/Fontaine_(Duchamp)

 

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