OBRA DE ARTE DA SEMANA: Psiquê reanimada por um beijo do Amor, de Canova


Antonio Canova, Psiquê reanimada por um beijo do Amor, mármore, 1,55 de altura, 1787-1793. Conservada no Musée du Louvre, em Paris, França.

Psiquê reanimada por um beijo do Amor é uma escultura do artista neoclássico italiano Antonio Canova. As obras neoclássicas, como o nome do movimento já dizem, resgatam os ideais da Antiguidade Clássica, Grécia e Roma, e iam contra a excitação do barroco e do rococó do período precedente, entretanto, o grupo escultórico estudado recebeu críticas por ser complexo demais e, assim, próximo do barroco. Apesar de Canova ter visto e estudado as esculturas antigas, na sua época ainda não se sabia que as estátuas gregas e romanas eram pintadas em cores vivas, tendo perdido suas cores através dos séculos, e, assim, os escultores sempre trabalhavam com a ideia de um resultado em mármore imaculadamente branco. Canova, inclusive, de uma família de canteiros – profissionais que cortam as pedras para o uso em construções -, e longamente habituado com o material, utilizava “eau de tour” – a qual os ferreiros usavam para impedir que o ferro fosse superaquecido -, para fechar os poros da pedra, que acabava adquirindo um tom menos frio e mais natural.

Sobre o tema, trata-se do mito grego de Amor – Eros em grego, Cupido para os romanos – e Psiquê; seu mais famoso contador sendo Apuleio, em seu livro Metamorfoses ou Asno de Ouro (século II d.C), e bastante popular no período neoclássico. A belíssima mortal Psiquê – a palavra Ψυχή, psyché, em grego, significa tanto « alma », quanto « borboleta » – provoca a ira de Afrodite/Vênus, deusa do amor e da beleza, por simplesmente ser muito bela e lhe roubar involuntariamente os adoradores. Assim, a deusa pede a seu filho Cupido que faça a mortal se apaixonar por um ser repugnante e abaixo dela, mas acaba se espetando com sua própria flecha e se apaixona por ela. O deus inspira o oráculo a dizer a seus pais que a deixem em uma colina para se casar com um ser temido por homens e deuses, ao que eles, amedrontados, obedecem. Ela passa a viver em um lindo palácio, com todos os seus desejos sendo atendidos, entretanto, seus encontros com seu marido se davam somente no escuro. Um dia, impingida pela curiosidade, ela acende uma vela e, em vez de um monstro, se depara com o belíssimo deus do amor. Uma gota de azeite da lamparina cai sobre ele, que, desapontado pela desconfiança de sua esposa, desaparece junto com o palácio. Psiquê, desolada, vai até o templo de Vênus, que por sua vez lhe dá tarefas quase impossíveis de serem realizadas, mas, contando com ajuda, ela consegue realiza-las. A última tarefa era a de pedir a Perséfone/Proserpina, esposa de Hades/Plutão, um pouco de sua beleza. A deusa entrega a Psiquê uma caixa ou frasco supostamente contendo o que foi pedido por Vênus, e, a curiosa mortal abre o recipiente, caindo em um sono profundo, próximo da morte. Seu amado marido a perdoa e a acorda com uma ligeira espetada com a ponta de uma de suas flechas e, depois disso, pede a Zeus/Júpiter que ela se torna imortal, ao que ele consente. O mito é então uma alusão à transcendência da alma (psiquê) e conquista da imortalidade após a vida terrena, além do encontro da alma humana com o amor celeste.

Aqui, diferente de grande parte das representações nas quais Psiquê possui asas de borboleta – lembremo-nos do duplo significado de seu nome -, ela não possui esse atributo. A cena mostra o momento em que Cupido a reanima, em uma composição dinâmica e equilibrada: as asas do deus ocupam quase o centro da composição, e as pernas dos personagens encontram-se de lados opostos. O único momento do mito no qual ela é reanimada pelo marido é aquele no qual abriu o recipiente dado por Perséfone – um frasco que vemos caído ao seu lado -, entretanto, ao invés da leve flechada, ela parece ser acordada por um beijo. Seria uma alusão ao poder transformador do amor, como no tradicional beijo que trás de volta princesas e donzelas nos contos de fadas?

O escultor também representou, a pedido do mesmo comanditário, o coronel escocês Sir John Campbell, o mesmo tema de maneira bastante diferente. A obra estudada, primeiro esboçada em papel, em seguida esculpida em argila, e depois em mármore, foi baseada em uma pintura da época romana localizada em Herculano. Sua composição é dinâmica e equilibrada e mostra o momento do beijo suspenso no tempo, no qual os amantes se olham, o corpo de Psiquê, desnudo, languido e sensual, enquanto que no outro grupo escultórico a imagem é muito mais inocente e delicada, ambos em pé, com Psiquê coberta por um tecido e oferecendo sua alma, representada pela borboleta, ao deus. ­­­­ Em ambas, a mortal é representada sem asas. Já as asas de Cupido, na escultura estudada, que foi criada pensando em ser admirada de diversos ângulos, quando iluminadas pelo sol tornam-se transparentes pela fina espessura da pedra, tratada com delicadeza e perícia pelo artista. O tema foi representado outras vezes pelo escultor em diversas encomendas devidas ao sucesso de sua obra-prima, e, posteriormente, inspirou muitos outros artistas na criação de pinturas e esculturas sobre o mito.


Antonio Canova, O Amor e Psiquê ou Amor e Psiquê em pé, mármore, 1,45 de altura, 1797. Conservada no Musée du Louvre, em Paris, França.


Hugh Douglas Hamilton, Antonio Canova em seu estúdio com Henri Tresham e um modelo de gesso para Cupido e Psiquê, pastel sobre papel, 1788-791. Conservada no Victoria & Albert Museum, em Londres, Reino Unido.

Bibliografia:

Luca BACHECHI, Emanuele CASTELLANI, Francesca CURTI, Les chefs-d’oeuvre du Musée du Louvre, Paris, Place des Victoires, 2009, p. 266-269.

Thomas BULFINCH, O livro de ouro da mitologia, Rio de Janeiro, Ediouro, 2006 (34a edição), p. 89-97.
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Pierre GRIMAL, Dicionário de mitologia grega e romana, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 399-400.
Compre esse livro aqui.

Béatrice TUPINIER BARRILLON, « L’Amour et Psyché » in Louvre, [Online]. Consultado em 05/11/2018.
https://www.louvre.fr/oeuvre-notices/lamour-et-psyche

 « Psyché ranimée par le baiser d’Amour » in Louvre, [Online]. Consultado em 07/11/2018.
http://musee.louvre.fr/oal/psyche/psyche_acc_fr_FR.html

« Psyché ranimée par le baiser de l’Amour » in Réunion des Musées Nationaux, [Online]. Consultado em 07/11/2018.
https://www.photo.rmn.fr/archive/04-005075-2C6NU043Q9ZL.html

Fontes :

Lúcio APULEIO, « The Golden Asse » in Project Gutenberg, [Online]. Consultado em 07/11/2018.
http://www.gutenberg.org/files/1666/1666-h/1666-h.htm#link2H_4_0029
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Fonte das imagens:

http://musee.louvre.fr/oal/psyche/psyche_acc_fr_FR.html

http://collections.vam.ac.uk/item/O20374/antonio-canova-in-his-studio-pastel-hamilton-hugh-douglas/

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